Dados do programa “Paraíba Unida pela
Paz”, do Governo do Estado, mostram que somente na primeira metade deste
ano, 629 pessoas foram assassinadas no Estado. A Secretaria da
Segurança não divulga os dados, mas o site “Onde fui roubado”, criado
para catalogar os assaltos em João Pessoa, tinha até ontem, 763
notificações de roubos na Capital, que causaram um prejuízo estimado
superior a R$ 1 milhão.
Além de estatísticas e prejuízos financeiros, a violência tem provocado
doenças, algumas capazes de matar ou inutilizar as vítimas. Já se foram
três meses e a atendente Raquel Alves do Nascimento, 28 anos de idade,
não consegue voltar a ter uma vida normal e se livrar das sequelas que
ficou após o último assalto que sofreu. Corre sem se dar conta quando
ouve barulhos com qualquer semelhança com tiros, tem crises de choro a
partir do nada, pânico de ficar filas, insônia e desconfia de qualquer
pessoa que se aproxime. Esses são alguns dos sintomas que afetam pessoas
com EPT. Uma doença que pode afetar pessoas que passam por qualquer
episódio de violência e que pode levar a sequelas irreversíveis, se não
for diagnosticada e tratada corretamente.
Raquel foi vítima de dois assaltos, no local de trabalho e está afastada
das atividades há mais de um ano, sem previsão de retorno. O segundo
assalto foi um episódio grave mas, para o psicanalista clínico, Tibério
Pessoa, não precisa que a violência sofrida seja de alta complexidade. O
alerta do especialista é para a possibilidade de sequelas que podem
levar a problemas cardíacos graves, transtornos hepáticos e
neuromusculares, podendo comprometer inclusive a capacidade de
locomoção.
Vítima duas vezes
Trauma duplo. Atendente dos Correios sofreu com violência no horário de trabalho.
Raquel trabalha como atendente de agência
dos Correios e Telégrafos. Em 2015 foi transferida para a agência de
Sapé e, menos de um mês depois, o local foi assaltado. “Dessa vez eu não
estava no balcão de frente e sim em uma salinha ao lado. Mas era bem
junto e, de lá, eu ouvia os gritos das pessoas, conseguia ver o cara com
a arma na mão. Ele ameaçou atirar na pessoa que estava no caixa e levou
o dinheiro”, lembrou. Por conta desse episódio, ficou 60 dias em
tratamento psiquiátrico, afastada do trabalho.
Em setembro de 2016 foi transferida para a agência de Itapororoca.
Apenas seis meses depois, ela estava no caixa da agência quando chegaram
dois assaltantes armados.
O desfecho da situação foi ainda mais tenso porque, segundo Raquel, a polícia chegou atirando em um dos bandidos. “Fiquei apavorada porque pensei que fosse um dos assaltantes atirando em alguém dentro da agência. Depois fiquei sabendo que um deles foi baleado e preso. O outro fugiu. Saí tão apavorada de lá que nem peguei meus pertences, que ficaram lá por quase três meses”, contou.
A partir do assalto, Raquel passou vários dias sem conseguir parar de
chorar, o corpo trêmulo e sem dormir. “Eu ainda tinha a medicação que
usei no tratamento anterior, mas nem com eles conseguia dormir. Sentia
que tinha algo grave acontecendo, quando um dia ouvi um barulho que
parecia um tiro e saí correndo sem me dar conta. Eu estava na sala, mas
quando percebi já estava no quarto, deitada na cama. Como se a mente
apagasse por alguns segundos e eu fosse levada pelo medo”, disse a
atendente, que entrou em nova licença média, esta de um ano e dois
meses, voltou ao tratamento medicamentoso e terapêutico.
Transtorno. Quatro meses se passaram do
último assalto sofrido mas os sintomas persistem e ela fez mudanças em
sua rotina. “Uma das primeiras coisas que fiz foi mudar de prédio, para
um que tivesse portaria para dificultar o acesso de desconhecidos. Hoje,
só de pensar na ideia de ter que voltar para o mesmo local de trabalho
tenho crises de insônia, choro e ansiedade. Não consigo mais confiar nas
pessoas, ficar em filas”, disse.
A atendente tem um o quadro que se encaixa na definição do transtorno do
estresse pós-traumático (EPT). “É um desajuste sentimental entre o
indivíduo e fato que gerou o desafeto. Tudo ocorre na matéria abstrata e
subjetiva do cérebro, causando uma diminuição progressiva dos hormônios
do bem estar e da felicidade. Não é o neurônio que está ruim e sim as
ideias, que provocam estímulos no cérebro e consequente inibição dos
neurotransmissores”, explicou o psicanalista clínico, Tibério Pessoa.
Sequelas graves e irreversíveis
Apesar de ser uma doença que acontece no
campo das ideias, o transtorno do estresse pós-traumático pode deixar
sequelas físicas graves, até irreversíveis, caso não seja tratado
corretamente. “A pessoa é que determina quanto resultado terá o
tratamento. Porque, apesar da ação do profissional e dos medicamentos, é
preciso haver um movimento de dentro para fora e não de fora para
dentro”, afirmou Tibério Pessoa ao falar sobre como tratar o EPT.
Segundo ele, o juízo de valor que a pessoa faz da situação é que define a
sequela que a pessoa terá ou não.
Nos casos de transtornos moderados e graves, a recomendação é que o
paciente tenha pelo menos 12 meses de acompanhamento terapêutico. Nos
casos graves, é necessária a interdição do paciente em todas as suas
atividades, por um período a ser definido pelo psiquiatra. Entre as
sequelas que podem restar de um EPT mal curado estão fobias, medos,
tensão, distúrbios sexuais, como males psíquicos. “A doença psíquica é
diferente em cada indivíduo. Tem a ver como a pessoa encara questões
como espiritualidade, amor, afetividade e como vai analisar as
situações. O juízo de valor que a pessoa faz da situação é que define a
sequela que a pessoa terá”, explicou Tibério.
No físico, podem ocorrer sequelas como transtornos cardíacos, diabetes,
doenças hepáticas e reumáticas. Estudos publicados na revista inglesa
The Lancet, uma das mais antigas e conhecidas revistas científicas do
mundo, publicada semanalmente, mostrou que pessoas com EPT têm 53% mais
risco de eventos cardíacos. Segundo o periódico, o aumento da frequência
cardíaca e a diminuição da variabilidade dela, combinados com
transtornos do sono, além variações na pressão arterial, são alguns dos
fatores que contribuem para a ocorrência de doenças do coração.
Trauma gera reações distintas nas pessoas
Diferente de outras doenças, o transtorno
do estresse pós-traumático (EPT) não tem um padrão de manifestação.
Tibério Pessoa explica que o resultado pode ser diferente entre duas
pessoas, quando submetidas a uma mesma situação traumática. Uma delas
pode desenvolver o transtorno, enquanto a outra pode nada sentir. Além
disso, várias pessoas expostas à mesma situação, que desenvolvam o EPT,
podem apresentar graus diferentes do transtorno.
“Tem a ver com o momento da pessoa, com o tipo de personalidade, se mais
forte ou mais fraca, também se a pessoa já vêm ofendida de alguma outra
situação.
Isso pode determinar se desenvolverá ou não o transtorno ou o nível de agravação do problema”, disse Tibério Pessoa.
Raquel nunca havia experimentado a sensação de ter problemas desse tipo.
Mas vinha de uma sequência de assaltos, que foram cada vez se tornando
mais próximos e graves, ao ponto em que ela se tornou alvo imediato dos
bandidos. Jornal Correio