SEU BIU ATANÁSIO : UM ITABAIANENSE NOS DOIS CICLOS DA BORRACHA NA AMAZÔNIA !
O 1° Ciclo da Borracha na Região Amazônica , teve o seu apogeu entre 1880 e 1910 , quando houve um grande declínio , por conta do Contrabando de Mudas de Seringueiras Nativas da Amazônia , feito por Ingleses e Holandeses , para suas Colônias na Ásia .
Países como a Malásia , Cingapura , Ceilão e outras possessões Inglesas e Holandesas , tornaram-se Grandes Produtores de Borracha no Mundo .
Usando tecnologia , plantio racional , mudas de qualidade e um Clima propício , conseguiram Alta Produtividade e Qualidade e consequentemente , baratearam o Preço do Produto no Mercado Internacional .
Essa atitude , prejudicou imensamente o Brasil , que tinha na Borracha , seu 2° maior produto de Exportação . O 1° , era o Café !
Existe relatos , de que o Contrabandista Inglês , Henry Wickham , " Roubou do Brasil " , 700 mil Mudas de Seringueiras Nativas da Amazônia , e plantou nas Colônias Inglesas da Ásia .
Muita Riqueza foi produzida na Região Amazônica nesse período .
Esse Esplendor ficou estampado no Progresso e Crescimento vertiginoso de Cidades Amazônicas como Manaus e Belém .
A beleza das Majestosas Construções dessas Cidades . As atividades Artísticas nas Belíssimas Casas de Espetáculos da Região . A " Riqueza Ostensiva " dos Donas da Borracha . Tudo era Grandioso .
Era muita riqueza para Poucos e Muita Miséria para Muitos Migrantes , principalmente , Nordestinos , que se deslocaram de seus Estados de Origem , em busca do sonho do
" Eldorado " do Ouro Branco , como era chamada a Borracha .
Esse Sonho , na maioria das vezes , se transformava em Pesadelo , pois quase sempre o Migrante , servia de " Mão de Obra Escrava " nós Seringais Amazônicos .
Como não havia Leis Trabalhistas , o Migrante antes de iniciar suas atividades nos Seringais , já estava devendo ao Dono do Seringal que também era Dono do Barracão que fornecia a locomoção , os instrumentos de trabalho , o alojamento de condições insalubres , o vestuário e a alimentação de péssima qualidade .
Ao final do mês , feitas às contas ,o Seringueiro além de praticamente , nada receber , já estava devendo parte do próximo mês . Era um Ciclo Vicioso sem fim ! Trabalho Escravo sem nenhum pudor !
Um 2° Ciclo da Borracha , ocorreu no período em que o Mundo vivia os horrores da 2° Guerra Mundial .
O Japão , pais Insular da Ásia , fazia parte do EIXO ( Alemanha , Itália e Japão ) . Esses países , tinham como objetivo , dominar o mundo , Militar e Economicamente , além de exterminar alguns povos e raças que segundo a concepção deles era de Nível inferior . O resto do mundo , liderados pelos Estados Unidos , Inglaterra , França , União Soviética e vários outros países , inclusive o Brasil formaram o bloco dos ALIADOS , para combater os membros do EIXO . Essa guerra , durou 5 longos anos , ceifou milhões de vidas , redefiniu os mapas e as fronteiras do mundo em Dois Grandes Blocos . Um liderados pelos Estados Unidos e outro pela União Soviética .
No início da guerra , o Japão invadiu às possessões Inglesas e Holandesas da Ásia , outros países e tornaram-se Donos da Borracha do Mundo .
A borracha , era vital para o esforço de guerra dos Aliados , na produção de pneus para aviões de combate e para veículos terrestres para transporte de tropas , mantimentos e combustíveis .
Os Aliados , principalmente os Estados Unidos , voltaram os olhos para o incentivo da volta da produção da borracha na Amazônia . Isso durou , de 1942 à 1945 . O breve 2° ciclo da borracha amazônica .
Uma breve história de um Itabaianense que participou desses dois Ciclos , é o que vou lhes contar agora !
O Sr. Severino Nunes Correia , conhecido como Seu Biu Atanásio , era o filho mais velho do Casal Atanásio Nunes Correia e de Josefa Atanásio .
O Sr . Atanásio Nunes Correia , nasceu provavelmente na década de 1860 , no Século XIX e era conhecido , por Seu Atanásio .
A Sra . Josefa Atanásio , nasceu em 1867 , no Século XIX e era conhecida como Dona Zefinha Atanásio .
Seu Biu Atanásio , nasceu em 1895 , também no Século XIX . Dele é que vamos falar .
Não conheci Seu Atanásio . Conheci Dona Zefinha , que era proprietária de um Rancho ( precursor das Pousadas de hoje ) , que servia para abrigo , alimentação e descanso para comerciantes e seus animais de carga , no trajeto que esses tropeiros faziam quando transportavam suas mercadorias entre Cidades ou mesmo Estados .
O Rancho de Dona Zefinha , era localizado na Rua Meira de Vasconcelos , também conhecida como Rua da Gameleira . A frente do Rancho , ficava às margens do Rio Paraíba . Fui vizinho de Dona Zefinha , na minha infância e adolescência em Itabaiana .
Dona Zefinha morreu em 1968 , aos 101 anos de idade , ainda lúcida , após comemorar no ano anterior , o seu Centenário . Estava rodeada de seus inúmeros descendentes .
Meu personagem , é Seu Biu Atanásio filho de Dona Zefinha , que conheci por ocasião de sua volta à casa Materna , em 1961 , após 51 anos ausente . Sua família nesses 51 anos , não sabia se ele era vivo ou morto .
Seu Biu Atanásio , era o filho mais velho dos 17 que o casal teve . Só sobreviveram e chegaram idade adulta , sete . Cinco mulheres , das quais conheci três : Dona Cristina , Dona Ném e Dona Engrácia e dois homens dos quais conheci apenas Seu Biu Atanásio .
Da família Atanásio , além de Dona Zefinha , dos filhos sobreviventes , conheci vários sobrinhos , netos e bisnetos .
Em 1910 , aos 15 anos de idade , em meio a uma discussão com o Pai , sofreu um tapa no rosto e por conta desse episódio , fugiu de casa para Belém do Pará , onde tinha uma tia .
Chegar à Região Amazônica , foi uma verdadeira Odisseia . Com pouco dinheiro no bolso , às vezes parava em alguma Cidade do percurso , passava alguns dias trabalhando e ganhando algum dinheiro para seguir caminho .
Não havia automóveis ou trens . As distâncias , eram imensas . As viagens eram feitas a pé , no lombo de animais ou de barcos .
Certamente , conviveu com o ataque de animais selvagens ou peçonhentos . Provavelmente , foi acometido de Endemias Amazônicas como Malária , Dengue ou Febre Amarela . Correu o risco de ser vítima de Salteadores , uma vez que o Braço da Lei , naqueles territórios , era muito curto naquela época . Finalmente chegou ao Pará , e lá se estabeleceu .
Desde sua chegada aos Seringais Amazônicos , travou uma luta tremenda , para não fazer parte da Estatística , que hoje conhecemos daquela época .
Primeiro , a luta diária pelo pão de cada dia . Depois , a luta para sobreviver à selva e seus perigos . O jogo de cintura para escapar de bandidos que infestavam à região Era comum , a visão de cadáveres descendo os Rios Amazônicos boiando . Conviver com às doenças e a falta de assistência médica . Perdeu às contas das Malárias que pegou .
Ele lutava com todas às forças para não fazer parte do Material Humano Jovem , que migrou para a Amazônia e não mais voltou a terra Natal .
Mais de 90% de quem foi prá lá , não voltou . Grande parte , morreu ainda jovem , por causas diversas . Assassinatos , doentes sem nenhuma assistência médica , acidentes de toda Natureza , causas variadas .
E assim , a vida foi passando e o desejo de voltar nunca o abandonou . Sua família em Itabaiana , ficou 38 anos sem notícias suas .
A vida em Itabaiana , continuava e Dona Zefinha achava , que seu Primogênito havia morrido . Teve vários outros filhos . Apareceram netas , bisnetos e nada de Seu Biu Atanásio aparecer .
Em 1948 , após 38 anos de sua partida para Belém , quando já havia acabado os Dois Ciclos da Borracha Amazônica , chega em Itabaiana , uma Carta de Seu Biu Atanásio , dizendo que
" Em breve , voltará prá casa " .
Nessa época , em 1948 , o Pai já havia morrido . Tinha vários irmãos que não conhecia e outros que nunca conheceria , pois já haviam morrido . Tinha muitos sobrinhos , sobrinhos netos . Só lembrava da mãe !
A família , a partir de 1948 , ainda esperou 13 longos anos pelo retorno de Seu Biu Atanásio , após a Carta dizendo que voltaria breve .
Esse retorno , se deu numa bela tarde de 1961 . Ele já estava com 66 anos de idade , e há 51 anos , havia fugido de casa para a Amazônia , aos 15 anos de idade .
Segundo relatos da família , lá deixou dois filhos adotivos , já adultos e estabelecidos e com família constituída . Não fez fortuna durante os 51 anos que lá viveu .
Segundo sua Sobrinha e minha amiga , Nega Atanásio ( Maria Engrácia dos Santos ) , Seu Biu Atanásio trouxe o equivalente a pouco mais de
5000 Reais em dinheiro de hoje . Foi a Poupança de 51 anos de trabalho árduo nos Seringais Amazônicos .
Pelo menos , Seu Biu Atanásio , não enriqueceu a Estatística dos mais de 90% dos Migrantes Nordestinos , que para lá foram , e não voltaram... Seu Biu Atanásio , Voltou...!
Uma certa tarde em 1961 , eu aos 9 anos de idade , morava na Rua Meira de Vasconcelos ( Rua da Gameleira ) e aproveitava o esfriar da tarde , com a chegada da sombra na rua de terra batida , para jogar futebol com uma " bola de meia " , juntamente com outros " Moleques da Gameleira " , como éramos chamados . Lembro o nome de alguns :
- Naná e Marconi , filhos de Dona Lurdes Milanês .
- Celso e Mandinho , filhos de Dona Maria Engomadeira .
- Zé Pequeno , filho de Seu Arlindo Pedreiro e Dona Dalvinha .
- Nilo e Dida , netos de Dona Severina .
- Capão e Foreca ,filhos de Seu Antônio Jorge do Rancho .
- Bilino , filho de Seu Manoel de Jesus , dono da Venda da esquina da Gameleira .
- Norbertinho e Cil , meus primos e Marcus meu irmão .
- E outros , que não lembro agora .
De repente , interrompendo nossa " animada pelada " , surge uma pessoa idosa , vinda da Rua Grande , com duas sacolas de lona nas mãos ( não havia plásticos ainda ) , seguido por um Carregador de Bagagem , que ficavam na Rodoviária ou Estação Ferroviária à espera de viajantes com bagagens . Esses Carregadores de Bagagem , também eram chamados de CHAPEADOS . Eram pessoas cadastradas pela Prefeitura , que lhes fornecia uma Chapa Metálica Numerada , que eles pregavam na Frente de um Chapéu Redondo e Alcochoado com algodão ou palha , para evitar ferimentos na cabeça deles com o excesso de peso das Bagagens . O Chapeado trazia na cabeça , uma grande e pesada Mala de Couro .
O Cidadão me interpelou dizendo :
- Menino , ainda existe algum Atanásio morando nessa rua ?
- Tem , Seu Zé ! Dona Zefinha Atanásio , mora logo aí nesse Rancho com Porteira de Arame Farpado no quintal ! Respondi .
Disse isso , e saí correndo em direção ao Rancho de Dona Zefinha , onde eu era acostumado a frequentar . Entrava pela porta da frente , saía pela porta da cozinha e vice-versa . Cutucava panelas no fogão , bebia água bem friinha no lote de barro , conversava com Dona Zefinha ... Era uma pessoa de casa .
Nega Atanásio , neta de Dona Zefinha , já uma mocinha , e hoje minha amiga , sempre reclamava comigo :
- Vou dizer à Tilinha ( Minha Mãe ) , viu seu buliçoso . Catucando às panelas dos outros ...!
- Deixa o menino quieto , Nega ! Eu gosto dele ! Me defendia Dona Zefinha .
Abri a Porteira de Arame Farpado , atravessei o quintal grande com cocheiras onde ficavam os animais de carga e fui logo entrando pela cozinha gritando :
- Dona Zefinha ! Dona Zefinha ! Tem um homem aí fora perguntando pelos Atanásios !
A Matriarca , com quase 100 anos de idade , levantou-se de um pequeno banco de madeira , pegou um " cacetinho " que lhe servia de bengala e encarou o Estranho que já havia entrado no quintal e estava bem em frente à porta da cozinha juntamente com o Chapeado e suas bagagens e disse :
- Seu Zé , se for prá se " arranchar " aqui , eu não quero ninguém estranho não ! Só quero os " Meus Matutos e seus Animais " da 2° prá 3° feira . O que é que o senhor quer , hein ?
- A senhora é Dona Zefinha Atanásio ? Perguntou o estranho .
- Sou , sim senhor ! Respondeu Dona Zefinha .
- A Benção , Mãe ! Disse o estranho ao mesmo tempo que largava as sacolas de lona no chão e estendia os braços para ela .
- É Biu...Meu filho ? Perguntou Dona Zefinha com a voz embargada.
- É... Minha Mãe ! Respondeu o estranho .
Um parêntese :
Se fosse Seu Januário , pai do Grande Luis Gonzaga , teria dito :
- Isso é lá hora de você chegar em casa... Seu Cabra ? Após 51 anos de ausência ?
Eu , que à tudo assistia , fiquei sem palavras na emoção desse instante . E o que eu vi e ouvi em seguida , nunca esqueci ! Estou narrando hoje , essa experiência única na minha Infância .
Abraços , choros convulsivas , risos e gritos nervosos , pessoas ajoelhadas agradecendo à Deus por aquele momento . Um turbilhão de reações tomou conta daquela família .
Atiçaram o fogo de lenha , fizeram um
" panelão " de café . Pães e bolachas foram providenciadas na Padaria de Seu Heleno . Alguém providenciou uma dúzia de foguetões que foram soltados nas margens do Rio Paraíba , para homenagear aquele momento .
Com tanto alvoroço , a casa pequena , logo encheu de vizinhos , parentes e curiosos atrás de mais informações .
A Grande Notícia foi anunciada aos quatro ventos , e foram chegando irmãos já idosos e que ainda não se conheciam . Sobrinhos e sobrinhos netos também foram chegando para conhecer o tio " Reaparecido "
O resto da tarde e a noite , foi insuficiente para às emoções daqueles primeiros momentos de convívio com a Mãe e demais parentes , após 51 anos de ausência .
O Pai e outros irmãos , que nem chegou a conhecer , já haviam morrido .
Às 10 horas da noite , fui levado prá casa ,
" Pelas orelhas " , pois apesar do evento ser na vizinhança , " Não era hora de menino estar na rua "
Seu Biu Atanásio , tornou-se meu amigo , pois ele sempre matava minha curiosidade sobre o Mundo Amazônico .
Cinco anos após esse episódio , em 1966 , fui morar e estudar em Areia . Nas férias do meio e do final do ano , sempre que voltava a Itabaiana ,visitava Dona Zefinha , Seu Biu , Dona Engrácia , Dona Ném , Dona Cristina e Nega , que além de vizinhos , eram meus amigos e de minha família .
Passada a euforia do reencontro , já idoso , maltratado pelo tempo e as adversidades que vivenciou na Amazônia , Seu Biu , ajudava como podia na renda familiar . Cuidava da manutenção do Rancho e fazia " bicos eventuais " .
Naquela época , o homem do campo já idoso , se não fosse amparado por familiares , " morria a míngua " , segundo um ditado popular .
O FUNRURAL , foi criado em 1963 , e tinha como objetivo , amparar o " Homem do Campo " .
Mas , a aposentadoria rural como se conhece hoje , foi criada no Governo Médici .
Seu Biu Atanásio , passou toda sua vida produtiva no campo , trabalhando nos Seringais Amazônicos e enriquecendo seus donos . No final da vida , não tinha condições financeiras ou físicas de voltar a Amazônia e pegar os Documentos Comprobatórios de sua atividade rural .
Dona Dolores Sá , proprietária rural em Guarita , distrito de Itabaiana , tomou conhecimento da história de Seu Biu Atanásio e forneceu às Declarações que ele precisava para sua merecida aposentadoria rural .
Continuei meus estudos e terminei o Curso de Medicina em 1977 . Mantive minha velha amizade com a família Atanásio até hoje na figura de Nega Atanásio ( Maria Engrácia dos Santos ) e netos e bisnetos de Dona Zefinha .
Seu Biu voltou prá casa em 1961 . Morou e conviveu com sua Mãe ainda por 7 anos . Comemorou junto com três irmãs e outros inúmeros descendentes de Dona Zefinha , o seu Centenário em 1967 . Ela morreu em 1968 aos 101 anos .
Nosso Personagem , ainda morou em Itabaiana , por 20 anos , quando morreu aos 86 anos de idade .
Nos primeiros momentos de sua volta à Casa Materna , 51 anos após sua partida , eu , aos 9 anos de idade o recebi e o conduzi aos braços de sua Mãe , para o Emocionante Reencontro .
Vinte anos após esse Reencontro , já como Médico , o Assisti em seus últimos momentos , quando morreu no dia 16 de dezembro de 1981aos 86 anos de idade .
Precisamente hoje , 16 de dezembro de 2023 completa 42 anos da morte de Seu Biu Atanásio , nosso Itabaianense , presente nos Dois Ciclos da Borracha da Amazônia .
Minha homenagem a Ele e a família , através dessa CRÔNICA .
HISTÓRIAS DA VIDA , QUE MARCAM E NUNCA ESQUECEMOS...
JOSÉ BARBOSA DE LUCENA
( DR . DEDÉ )