Ainda os conheci quando criança em Itabaiana . Foram os ancestrais das Pousadas de hoje . Eram alojamentos simples e baratos , para os Tropeiros e seus animais , quando em suas andanças por esses sertões nordestinos , levando e trazendo mercadorias para abastecer pequenas cidades e vilas .
Basicamente , era uma residência adaptada para funcionar como um dormitório . Às vezes , se construía um galpão anexo a essa casa , e colocava - se muitos armadores em suas paredes , para que muitas redes fossem estendidas para descanso dos viajantes .
Via de regra , todo Rancho ficava nas proximidades de um rio, poço ou açude . Possuía um grande quintal com cocheira coberta para banho , alimentação e abrigo para os animais de carga e de transporte do Tropeiro . Os Ranchos sempre se localizavam na periferia das Cidades ou Vilas .
As tropas de Burros , eram os meios mais comuns de transporte de carga e de pessoas até meados do Século XX .Trens , automóveis e caminhões ainda eram artigos de luxo nessa época .
Vale salientar , que alguns Ranchos " Mais Granfinos " , além de dormitório , ofereciam também , banho e alimentação . Era cama , mesa e banho à preços populares , tanto para o Tropeiro , como para seus animais .
Os Ranchos existiram , até o final da década de 60 e início dos anos 70 , quando a modernização dos meios de transporte foi substituindo às veredas pelas estradas asfaltadas . O burro pelos caminhões . E o Tropeiro pelo Grande atacadista e seus Supermercados .
Em Itabaiana , a maioria dos Ranchos , se instalaram nas proximidades da Bi - Centenária Gameleira , ruas adjacentes ao leito do Rio Paraíba , proximidade da Estação Ferroviária e da Conhecidíssima Rua do Carretel ( Cabaré Local ) .
Conheci e tive como vizinhos os donos de alguns Ranchos remanescentes da época áurea desse tipo de alojamento :
Seu Manoel Felipe ( Meu avô ) , Dona Zefinha Atanásio , Dona Quina , Seu João Xixi , Seu Antônio Jorge , Dona Jardelina , Seu Luís da gata e Seu Amaral , cujo Rancho , salvo engano , foi o último a fechar suas portas no início dos anos 70 .
A segunda e a terça feira , eram dias de grande movimento nos Ranchos . A grande feira da terça , começava logo na segunda à noite , com a famosa feira do Bacurau que se estendia por toda a noite , e localizava - se às margens da linha férrea , BEM NA ENTRADA DA RUA DO CARRETEL !
Na feira do Bacurau existia comércio para todo tipo de mercadoria ou atividade que rendesse algum dinheiro . Tinha negócio para gaiola velha com passarinhos , bicicleta roubada , móveis que tinham cupins como inquilinos , barracas com comidas , jogos de tabuleiro sempre com o " tapía " por perto aliciando os otários , ciranda , côco de roda , cantador de viola , moleque prá levar recado prás " quengas "
Havia inclusive consumo de" carne humana " in natura e in loco . Esse " canibalismo " ocorria , em baixo de pontilhões , capoeiras , becos escuros ou em pequenos cubículos nos Lupanares , para os mais endinheirados .
A fauna humana que visitava a Cidade nesses dias , era bastante heterogênea e oriunda de outras Cidades ou Estados , principalmente , de Pernambuco . Começavam a chegar na segunda feira pela manhã no lombo de burros ou a pé . Às 14 horas chegava o Trem de João Pessoa e às 16 horas , chegava o Trem oriundo do Recife . Dos passageiros desses dois Trens , mais de 80% tinham os mais variados tipos de negócios . Os 20% restantes , ou moravam na Cidade ou estavam apenas de passagem .
No Trem vinham compradores de gado , comerciantes dos mais diversos ramos , trapaceiros , cachaceiros , boêmios , ladrões , gente de todo tipo , principalmente , muitas
" Operárias da mais antiga das profissões " , que vinham arranjar alguns trocados com possíveis endinheirados . Todos os visitantes tinham negócios na Cidade . Com esse aporte de gente e de dinheiro , a Cidade crescia e necessitava de alojamentos .
Na noite da segunda e o dia da terça feira , os Tropeiros vendiam suas mercadorias , os Boiadeiros compravam e vendiam boiadas , os Vigaristas , Ladrões e Trapaceiros enganavam os incautos , os Boêmios realizavam suas fantasias nos Bares e Cabarés , e as Operárias do sexo exerciam sua milenar profissão com muito talento e competência . Após tanta atividade o corpo humano precisava de repouso . Na falta de uma Rede Hoteleira razoável , surgiram os Ranchos !
A clientela dos Ranchos , era geralmente fixa . As mesmas pessoas , hospedavam - se toda semana nos mesmos locais . Pessoas com interesses comuns , tendiam a ficarem juntas .
O convívio semanal estabelecia , laços duradouros de amizade . Era possível encontrar em um mesmo Rancho , pessoas do Recife , Cajazeiras , Currais Novos , Caruaru , Areia , Limoeiro , Timbaúba e muitas outras cidades , que impossível seria nominá - las .
Em tempos de comunicação difícil , o Rancho foi um fator de integração regional . Não existia televisão nem telefones disponíveis nas pequenas cidades e vilas nordestinas . Poucos liam jornais ou escutavam rádios . Uma simples viagem de uma Cidade a outra , era uma verdadeira Odisseia !
A maioria das informações , eram transmitidas boca a boca pelos que transitavam entre às cidades . Um Tropeiro hoje estava em Itabaiana , amanhã , em Guarabira , outro dia , em Pombal e assim por diante .
Em noites de verões escaldantes ou frios invernos , sob a luz do luar ou de " bruxuleantes "
candeeiros , entre goles de café , baforadas de cachimbos , talagadas de aguardente , cusparadas acrobáticas , chiado de armadores , catinga de bufas azedas , tosses irritantes e tonitroantes arrôtos , os Tropeiros trocavam informações sobre as regiões que viviam ou que visitavam em suas andanças . Eram os Estafetas ou Arautos das boas ou más notícias .
Era possível por exemplo , saber que houve um crime político em Goiana . Que o inverno começou fraco em Patos das Espinharas . Que a Barragem de Boqueirão estava perto de sangrar . Que havia aparecido um novo Beato no Cariri curando enfermos ou ainda , onde Frei Damião estava realizando suas Missões .
Nas Evocações das minhas Saudades , o Rancho tem um lugar de destaque . Simboliza
" Um Tempo " e " Um Modus Vivendi " que não existe mais ! Um tempo como diria o Grande Itabaianense ZÉ DA LUZ :
- - TEMPO DE " BRASÍ CABÔCO DE MÃE PRETA E PAI JOÃO " . Um Brasil ingênuo e amatutado.
- Um tempo que o Tropeiro transportava suas mercadorias pelas trilhas e veredas desses Sertões no lombo de burros .
- Suas economias iam nos alforges das selas . Carregava consigo a Fé no futuro , a Esperança de dias melhores e a Certeza de não ser assaltado na primeira curva do caminho ! Os tempos mudaram e com ele os Costumes . Querem saber de uma coisa ?
- - TENHO SAUDADES DESSE TEMPO QUE NÃO VIVI !
- Tempinho bom , não ?
JOSÉ BARBOSA DE LUCENA
( DR . DEDÉ )