O Réveillon de 1959 para 1960 até hoje , guardo na memória .
Em outubro ou novembro de 1959 , a Gravadora MOCAMBO lançou um Frevo Canção já para o Carnaval de 1960 . A música , era uma composição de Nelson Ferreira e Sebastião Lopes cantada por Nerize Paiva e intitulada , OPERAÇÃO MACACO . O curioso , era que os Compositores e a Cantora eram pessoas Negras .Tratava-se de um frevo irreverente , alegre e com um pouco de racismo escondido , no qual um Profeta afirmava que no Réveillon de 1959 para 1960 , todos os negros virariam macacos . Não lembro bem a letra da música , mas foi um sucesso imediato , e a mais tocada no Carnaval de 1960 . Estourou em todas as Rádios do País , inclusive na Difusora de João do Bode aqui em ITABAIANA .
As gozações e confusões , logo começaram . Os negros logo revidaram , afirmando aos quatro ventos , que na mesma " Profecia " , os Brancos
virariam " Bananas " e seriam
" comidos " pelos macacos , nos
" dois sentidos " ! Raro era o dia , que na delegacia de polícia , o Delegado , não tinha que intervir , para serenar os ânimos .
Aos 8 anos de idade , eu e meus amigos negros da rua e das redondezas ficamos preocupados com o teor daquela música .
Naquele tempo , criança ainda acreditava em fadas , papai Noel , lobisomem , papafigo , história de trancoso , anjo da guarda e tantas outras crenças , que criança de hoje não acredita mais . Para uma criança , outra criança era apenas companheiro de brincadeiras não era branco nem preto , era apenas mais um amigo . Nossa desconfiança quanto ao futuro da raça humana , homens e mulheres se transformarem em macacos e bananas aumentou , quando os mais velhos diziam : " Após 1960 tudo é possível " de acordo com às Profecias de
" Padim Pade Ciço do Juazeiro "
Com a aproximação das festas de fim de ano , comecei a ficar muito apreensivo quanto ao meu futuro e de meus amigos negros . Não queria vê-los assoviando fino e pulando de galho em galho na Bi-Centenária Gameleira , palco maior de minha infância , nem tampouco ser transformado em banana .
Chegou o dia " D " ! Dia 31 de dezembro de 1959 .
Vesti roupas e sapatos novos . Procurei tios , avós e padrinhos para um reforço de caixa , uma vez que o dinheiro recebido lá em casa , era muito pouco .
Fui olhar a Festa na Rua grande . Entrei na Igreja Matriz e fui visitar o Presépio Natalino e colocar alguns botões retirados do palitó de vovô no ANJO PAPA-MOEDAS de Padre João , que agradecia a oferenda de uma moeda , balançando a cabeça . Só que o pobre do anjo , não distinguia moedas de botões de palitós .
Fiz uma pesquisa nos parques de diversões e verifiquei , que pelo preço de uma corrida na Roda Gigante do Parque Maia ( parque dos ricos ) , eu passearia no Juju , na canoa , na onda , e no Carrossel de Possidônio que era empurrado no braço e ainda sobrariam alguns trocados para oferecer na Difusora de Pedro Arcoverde uma " página sonora " com muita raiva , a uma paquera que não tinha dado certo . A música, ENXUGUE O
RATO , do Sanfoneiro Abdias !
Fomos até a União de Artistas e Operários , para descer pela Rua Grande , acompanhando a Banda de Música de DACIANO ALVES DE LIMA , que todo orgulhoso vinha na frente , puxando a Banda para tocar na Retreta . Agora , eu não entendia , o porquê de Toinho de Cabo Totô , sem estar fardado , ou tocando qualquer instrumento , acompanhava a Banda lá atrás , no mesmo passo dos músicos . Aqui prá nós , era muito mais agradável aos ouvidos e ao espírito , os dobrados , sambas , frevos e marchinhas executadas pela Bandinha , nas Retretas . Hoje temos a algazarra indecente e ensurdecedora dos Trios elétricos e Paredões . Onde essa Dupla Horrorosa estiver , eu não estou !
Furar bolas de festa com palitos . Provocar ciúmes entre namorados , entregando bilhetes escritos por nós mesmo . Visitar a Bagaceira e o Pavilhão Central . Morcegar o Carrossel de Possidônio e arriscar-se a levar uma boa Cinturãozada no lombo .
Tanta atividade , dava fome . E íamos lanchar . O Tabuleiro de MADALENA era o mais procurado . Broas , cocorotes , suspiros , bolos e outras guloseimas , eram devorados com a " raspadinha " ou
" gelada " no banco de Mário da Sorveteria . Maçã e uva , nem pensar ! Era coisa que só rico podia comer , mesmo assim , só se estivesse doente !
Dez horas da noite chegava o aviso :
-- Seu Zé de Paul mandou dizer , que tá na hora de ir prá casa ...! E lá íamos prá casa , eu e nêgo Valdo , meu vizinho .
Estávamos seriamente preocupados com a PROFECIA que a música anunciava , tornar-se realidade .
Foi uma noite longa , insone e entrecortada por pesadelos a noite de 31 de dezembro de 1959 .
Com os primeiros cantares dos galos e passarinhos , os primeiros clarões da aurora , naquele momento mágico em que
" O dia já pode mais de que a noite ",
pulei da rede , fui para o quintal , subi em um pé de Jasmim Vapor e gritei :
-NÊEEEEGOOO VAAALDOO ! Silêncio !
-NÊEEEEGOOO VAAALDOO !... Gritei novamente !
- TÔ aqui , porra ! Já fui na casa de todo mundo . Ninguém virou macaco nem banana não , porra !
E saímos alegres para tomar banho no rio , jogar pelada , pegar passarinho , jogar bola de gude ou pião . Enfim , continuar nossas brincadeiras infantis , sem distinção de cor ou credo . Criança, é Criança e está muito acima de qualquer preconceito . CRIANÇA NÃO É PRECONCEITUOSA , SE FOR , ALGUÉM ENSINOU !
Mas... Naquele primeiro dia de janeiro de 1960 , fui deixando a infância , e entrando na idade da...
RAZÃO !
JOSÉ BARBOSA DE LUCENA
( DR . DEDÉ )