Depois de receber um rotundo "não" da cúpula do PMDB, a presidente Dilma abre o balcão de negócios na tentativa de ganhar as bancadas do partido, mas a estratégia não alivia a tensão política...
por Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco... Tal como agiu o apóstolo Pedro em relação a
Jesus, antes de o galo cantar, a cúpula do PMDB negou Dilma Rousseff
três vezes na segunda-feira 21. Os principais nomes da legenda, o vice
Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responderam com rotundos “não”, quando
instados pela presidente da República a participar da indicação de nomes
para a reforma ministerial. Mas, ao contrário de São Pedro, que diante
do canto do pássaro chorou de arrependimento, os caciques do PMDB não
capitularam. Em desespero, ao ver o que poderia representar a despedida
prematura dos aliados, a petista resolveu jogar sua última cartada:
abriu o balcão de negócios e avançou sobre líderes secundários do PMDB. O
problema é que, ao que parece, a presidente Dilma até hoje não entendeu
como funciona a lógica política da maior legenda da base aliada –
apêndice do poder desde a ditadura. Ao decidir lotear os Ministérios da
Saúde e da Infra-estrutura (fusão da Aviação Civil com Portos) e pedir a
sugestão de seis nomes do baixo clero do PMDB, a presidente imaginou
que estava arrebanhando a legenda inteira, quando na verdade quem ela
atraiu foram alguns gatos pingados de uma bancada volúvel à pressão
popular. Um diálogo ocorrido na casa de Cunha ilustra como pensa e age o
PMDB. Questionado por um parlamentar da oposição se o partido iria ou
não apresentar nomes para a nova composição da Esplanada, o líder
Leonardo Picciani (RJ) respondeu sem pestanejar: “Vamos indicar para
esse governo, sim. Até porque para o próximo governo que vem aí já
estaremos muito bem colocados”. Embora a conversa tenha sido
testemunhada por dois parlamentares, um do PMDB e outro do PDT, Picciani
nega a frase. Ironia ou não do líder peemedebista, o fato é que a
ofensiva do governo pode até adiar por poucos meses, mas não terá o
condão de impedir o desembarque do PMDB da aliança com o PT, que poderá
acontecer em novembro ou, no mais tardar, em maio de 2016.
Quando percebeu o cerco se fechar sobre o
seu mandato, meses depois da posse, o ex-presidente Fernando Collor
nomeou um ministério de notáveis, recheado de nomes de peso, como o
jurista Célio Borja e o economista Marcílio Marques Moreira. A política,
ele entregou a Jorge Bornhausen, então principal estrela do PFL.
Promoveu alterações na composição ministerial alicerçado pelo alto
escalão das legendas. Não foi o suficiente para mantê-lo no cargo, mas
Collor conseguiu uma sobrevida de mais de um ano, até ser apeado do
poder.
O próprio Lula, em 2002, depois de divulgar
a Carta aos Brasileiros, fez acordos de cúpula para se eleger. Depois,
os acertos se revelaram espúrios, mas esta é outra história. O
ex-presidente FHC, mesmo em momentos em que a relação esteve
estremecida, nunca deixou de assegurar na Esplanada a cota de Antônio
Carlos Magalhães, um dos expoentes do PFL – principal partido da
coalizão tucana. Dilma faz o inverso. Sem o aval da cúpula do PMDB, vai
às compras no varejo. Ocorre que entregar meia dúzia de pastas aos
peemedebistas não lhe assegura tranquilidade e apoio para livrar o País
da crise ou afastar os fantasmas que rondam o seu mandato. Em entrevista
à ISTOÉ, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, defensor do rompimento
do PMDB com Dilma, foi explícito ao dizer que as indicações da bancada
não significam que o partido passará a “dizer amém” ao Planalto (leia
mais à pág. 38). A nomeação para mais um ou dois ministérios também não
será capaz de barrar o andamento do cada vez mais provável processo de
impeachment contra a presidente. Na própria quinta-feira 24, Cunha leu
em plenário, para o deleite da oposição, o rito a ser adotado pela
Câmara para o afastamento de Dilma, irritando sobremaneira o PT, que
promete recorrer ao STF.
Nem mesmo a possibilidade da ampliação do
espaço do PMDB no governo, com a oferta de ministérios com caneta, tinta
e verba foi capaz de assegurar à Dilma apoio integral do aliado na
votação dos vetos na semana passada que, se tivessem ido ao chão,
poderiam provocar um impacto de R$ 128 bilhões no já combalido Orçamento
da União até 2019. Ao apreciar um dos temas mais complexos na sessão do
Congresso na noite de terça-feira 22, a alternativa ao fator
previdenciário – mecanismo que desencoraja aposentadorias precoces –,
30% dos 49 deputados peemedebistas presentes votaram pela derrubada do
veto. A sessão conjunta da Câmara e Senado analisaria 32 vetos. Ao fim,
26 deles foram mantidos. Para que as decisões da presidente fossem
anuladas, eram precisos os votos de ao menos 257 dos 513 deputados e 41
dos 81 senadores. O placar final do PMDB acabou contabilizando 34 opções
pela manutenção da decisão presidencial, 15 contrários e três
abstenções. Por saber que não se pode confiar nos acordos acertados pelo
governo petista, o Congresso, sob operação dos peemedebistas, deixou
para apreciar a manutenção ou não de reajuste para o Judiciário apenas
nesta semana que se inicia. Ou seja, em sua tentativa desesperada de
escapar do cadafalso, Dilma entrega os anéis, os dedos e uma joia – a
pasta da Saúde – ao PMDB em troca de míseros votos com os quais nem tem
certeza de que poderá contar doravante. “A presidente fez um pacto com
demônio para salvar o seu governo. Vai governar como? Não vai. Vai ser
governada”, disse na quinta-feira 24 o ex-presidente Fernando Henrique
para quem “o tempo de Dilma está se esgotando”.
A Saúde, até o final da última semana,
estava cotada para ser entregue a Manoel Jr, deputado do PMDB da
Paraíba. Um parêntese para o currículo da excelência: além de,
recentemente, ter sugerido a renúncia de Dilma, e ser um crítico
assumido do programa Mais Médicos - talvez o único que deu certo em todo
o governo da presidente petista - Manoel Jr. ostenta como seu maior
feito no setor a gestão de um hospital localizado num município de 28
mil habitantes. Será que Dilma imagina que o parlamentar será capaz de
resolver a grave questão da saúde pública no País? Para piorar, a
negociação envolvendo a pasta da Saúde preencheu mais um capítulo da
total inabilidade política da chefe do Executivo. Na noite de
segunda-feira 21, a presidente convidou o líder Picciani e Temer para
uma reunião no Palácio da Alvorada a fim de tentar costurar apoio para
votações da semana. O deputado chegou primeiro e entabulou a conversa
com a petista. Temer apareceu em seguida, com a conversa já em
andamento. Encerrado o encontro, o vice-presidente dirigiu-se ao Palácio
do Jaburu, como de praxe. Só soube na manhã seguinte do tema principal
da conversa entre Dilma e Picciani: que durante aquela reunião a
presidente havia oferecido ao líder o ministério da Saúde. Quando o
assunto tornou-se público, Dilma ligou para Temer para confirmar o que
ele já havia lido no noticiário. O gesto foi interpretado pelo
peemedebista como uma tremenda deselegância, no mínimo.
Além de sugerir Manoel Jr., foram ofertados
também à mesma pasta os nomes de Saraiva Felipe (MG), ex-ministro, e
Marcelo Castro (PI), figura carimbada nas indicações do PMDB. Para a
Infraestrutura, os peemedebistas da Câmara indicaram José Priante (PA),
Mauro Lopes (MG), Celso Pansera (RJ) e Newton Cardoso Júnior (MG). O
martelo ainda não foi batido. Se já não bastassem as trapalhadas
envolvendo a reforma meia-boca que a governante pretendia fazer para
evitar o impeachment a todo custo, no final da semana, o governo
ameaçava implodir o que ele próprio havia costurado com parlamentares
do PMDB. “Se modificar, vou tirar todas as indicações e reunir a bancada
novamente”, vociferou Picciani na noite de quinta-feira 24. O impasse
ocorreu porque congressistas da Câmara exigiam dois ministérios.
CONVERTIDA
A ex-petista Marta Suplicy assina a ficha de filiação ao PMDB no sábado 26
Um deles está acertado que será o da Saúde,
hoje controlado pelo PT, mas os deputados não aceitavam até o fim da
semana assumir como sendo deles as pastas de Turismo, ocupada por
Henrique Eduardo Alves, e Aviação Civil, comandada por Eliseu Padilha. A
última proposta apresentada por Dilma previa que Padilha permanecesse
na Aviação Civil e Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho
(PMDB-PA), fosse transferido da Secretaria da Pesca para Portos. Para
abrigar o ministro bem nascido, a presidente desistiria de fundir Portos
e Aviação. O plano inicial de Dilma é incorporar a Pesca ao Ministério
da Agricultura. Nesse xadrez, continuariam em seus postos os ministros
Eduardo Braga (Minas e Energia) e Kátia Abreu (Agricultura), que
representam a bancada do PMDB no Senado, reforçada esta semana com a
filiação da ex-petista Marta Suplicy. Para tentar contornar a rebelião
de última hora no partido, Dilma resolveu pedir socorro ao governador do
Rio, Luiz Fernando Pezão, e ao prefeito da capital, Eduardo Paes.
Depois de colocar a Infraestrutura no pacote de promessas, a presidente
quer agora que a dupla convença Picciani a se contentar apenas com a
Saúde. Ou seja, confusão à vista.
PRESSÃO NO CONGRESSO
Parlamentares adiaram para esta semana a votacão do
reajuste dos servidores do Judiciário
Enquanto Dilma mergulhava no feirão do
fisiologismo com o baixo clero do PMDB, a cúpula da legenda – a que
realmente importa – exibia seu programa nacional na quinta-feira 24 em
rede de rádio e televisão dizendo que era “hora de virar o jogo” e
“deixar o estrelismo de lado”. No filmete, o partido reconhece a “crise
econômica que resulta em recessão e desemprego”. Combinados com uma
crise política, os problemas na economia, acrescentou a legenda, deixam a
sociedade “angustiada, à espera de soluções, cansada de sempre pagar a
conta, pessimista diante do nó que não se desfaz”. Nem um partido de
oposição seria capaz de emitir um recado tão eloquente.