sábado, novembro 21, 2015

Reportagem de Capa do Jornal Correio da Paraíba deste domingo, 22.

CAGEPA: ÁGUA CHEGA POLUÍDA ÀS TORNEIRAS DA PB... 

 A água distribuída a milhões de pessoas a partir de reservatórios na Paraíba é poluída, mesmo após o tratamento. Chega às torneiras com traços de agrotóxicos capazes de desencadear o câncer, revela estudo. 

TEM VENENO NA ÁGUA... 

NEM TRATAMENTO DÁ JEITO. 
Traços de agrotóxicos saem das torneiras de paraibanos... 
Você sabe o que tem na água que bebe? Talvez não. Todos os 223 municípios paraibanos devem fazer o controle da água que abastece seus moradores, seja ela da Cagepa, de poço ou de carro- pipa. Mas, este ano, só 149 enviaram amostras ao programa Vigiágua e em 38% delas foi encontrada a bactéria Escherichiacoli, que causa gastrenterite, entre outras doenças. Mas não é só isso. Uma pesquisa sobre o Rio Gramame, publicada ano passado pelo professor Tarcisio Cordeiro, da UFPB encontrou três tipo de agrotóxicos nas águas do manancial, que abastece 70% da Grande João Pessoa. Mas, a água não é tratada? É. Mas, uma amostra coletada no bairro Bancários mostrou que ela permanecia com os pesticidas, mesmo depois de ter passado pelo processo. Uma análise de metais pesados em 17 moradores de Mituaçu revelou que o organismo deles tinham 16 elementos em quantidade acima do valor de referência, entre eles o chumbo. “Na maioria dos lugares não existe controle do uso de agrótoxios e vão parar dentro do açude”, diz a pesquisadora Danielle Machado.

PESTICIDAS NO RIO GRAMAME: 
Em pesquisa feita por Wilson Jardim, da Unicamp, foram encontradas atrazina e cafeína. “Essas coletas foram feitas a título de sondagem e não de monitoramento, mas já revelaram alguns problemas. A atrazina e a cafeína foram usadas somente como indicadores de poluição, revelando a contaminação por resíduos agrícolas e de esgoto nas águas da grande João Pessoa”, diz a pesquisa de Tarcísio. Dessas substâncias, somente a atrazina e o diuron são regulados pelo Ministério da Saúde. “Se atrazina e cafeína estão chegando às torneiras, existem boas razões para acreditar que outras substâncias que não são controladas por norma legal estejam chegando aos rios e aos consumidores”. Veneno chega às torneiras. Em amostra coletada em julho do ano passado, nos Bancários, a mesma quantidade dos agrotóxicos foi encontrada. “Os níveis de contaminação que chegam com o rio até as bombas da Cagepa tendem ser mantidos após o tratamento. Isto é de certa forma esperado porque esses produtos não se fi xam ao material sólido em suspensão. A adição de cloro tampouco interfere na concentração de pesticidas, de forma que o tratamento da água não retém ou destrói essas substâncias”. Uma das fontes apontadas por Tarcísio, era uma antiga indústria de cana-de-açúcar, que fechou as portas. Segundo afi rma o pesquisador, a Cagepa só teria a obrigação legal de controlar o diuron, porém, segundo a portaria nº 2.914/2011, a quantidade permitida é de até 90 μg/litro. A quantidade encontrada estaria dentro do normal. Mas, as famílias ribeirinhas perderam o sustento. “3.500 famí l ias de Mussuré, Mamuaba e Mumbaba perderam seu meio de vida. Não dá para regar planta ou dar água aos animais”, revelou Tarcísio. “Há 30 anos a universidade vem produzindo trabalho científico, é falta de vergonha dos órgãos ambientais, contrariando o código, uma omissão completa, venderam saúde por dinheiro. Quero crer que ainda dá tempo salvar. Se parar de jogar produto no rio, ainda se perceberá alguma coisa na água por uma década”, afirmou o biólogo.

IMPACTOS AMBIENTAIS NO PARAÍBA 
Há dois anos, uma publicação científica trouxe uma pesquisa sobre os impactos ambientais no Rio Paraíba. O estudo foi feito pela Universidade Federal de Campina Grande e revelou que há muita carga orgânica no rio. Isso quer que houve contaminação por esgoto doméstico, que atingiu as águas superficiais e as reservas hídricas subterrâneas. “Os resíduos sólidos e os estabelecimentos agropecuários contribuem como outros fatores poluentes para o manancial, especialmente pelas atividades ligadas a um turismo insustentável e práticas agropecuárias mal planejadas”, diz a pesquisa de Telma Lúcia Bezerra, Vera Lúcia Antunes e André Aires. O vice-reitor da Universidade Estadual da Paraíba, Etham Barbosa, que desenvolve pesquisas sobre a qualidade da água, contou que a Cagepa solicitou monitoramento nos mananciais do Estado. “Há mais de 5 anos estudamos o Rio Paraíba e há um ano e meio estamos monitorando os reservatórios de todas as bacias. Observamos uma série de indicadores, em quase 80% deles, a quantidade de cianobactérias está relativamente alta, o que significa um estado de alerta”, revelou. O estudo aborda aspectos biológicos. “Monitoramos animais e plantas que indicam alteração na qualidade da água. O agravamento da seca impõe novas condicionantes ambientais para os organismos aquáticos. Há alta evaporação e não tem recarga, o volume fica decrescido. As entradas pontuais de agentes de cidades, regiões agrícolas e industriais interfere. A concentração de nutrientes como fósforo e nitrogênio eliminam os microorganismos mais sensíveis, propiciando ambiente para os mais tolerantes. O tratamento de água reduz esse material, que são algas tóxicas, as cianobactérias”, concluiu o biólogo.

CONTAMINAÇÃO NO BOQUEIRÃO 
O geógrafo Wilton Maia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústrias Urbanas na Paraíba, apontou que a contaminação por agrotóxico ocorre no açude Boqueirão. “Não acontece só lá, no sistema Coremas/Mãe D’água e em outras barragens do estado também. Ao longo de décadas, o plantio de tomate, pimentão e banana usaram muitos agrotóxicos e pesticidas. O solo sofre alterações e a água também, porque quando chove, eles descem pra dentro do açude”, afirmou. “O tratamento oferecido hoje na água distribuída nas cidades não garante a retirada. A Cagepa deveria fazer análise da água do açude Epitácio Pessoa a cada duas horas, na entrada e na saída, mas não faz porque em Queimadas não tem laboratorista e químico”, denunciou Wilton. A Cagepa negou a informação e disse que monitora a qualidade da água. “Na estação de tratamento de água de Gravatá, que atende Campina Grande e cidades próximas, a cada duas horas, o operador coleta as amostras de água tratada e filtrada e, de imediato, analisa o cloro residual. Pela manhã, são analisados os parâmetros de PH, turbidez e cor. De seis em seis meses é feita uma análise dos níveis de metais pesados e agrotóxicos. Mensalmente, é feito o monitoramento de algas nos mananciais. Segundo os laudos, todos os parâmetros estão dentro dos limites aceitáveis preconizados pela Portaria 2914/2011, do Ministério da Saúde”.
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