Fraudes e compra de votos. Para historiadores, Brasil tem ‘herança maldita’ do Império e do início da República... (Leia mais: PLEITOS ERAM NAS PARÓQUIAS)... A história das eleições no
Brasil é recheada de casos
de corrupção, compra de
voto, uso da máquina administrativa,
fraudes, eleitores
fantasmas e até o equivalente
ao caixa 2 de hoje.
Quem garante é o professor
de Direito Eleitoral
da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) e funcionário
do Tribunal Regiona
l Eleitora l (TRE),
Renato César Carneiro,
um patoense especialista
em eleições no período republicano.
A constatação de Renato
César Carneiro é compartilhada
pelo professor e
historiador José Octávio de
Arruda Melo, especialista
em eleições no período imperial
brasileiro. Segundo
os dois, a história relata que
Legislação. José Octávio aponta avanços a partir da criação da Justiça Eleitoral na década de 1930
Mandioca. Símbolo de poder,
a raiz era prova da riqueza
Dom Vital. Paraibano foi condenado a 4 anos de trabalho forçado
a corrupção eleitoral teve
origem no Império e se arrastou
pela República, desde
os primórdios, em 1889,
até os dias de hoje.
Ao mesmo tempo em que
veem o desenrolar da corrupção
no decorrer de mais
de 200 anos, Renato César
Ribeiro e José Octávio de
Arruda Melo apontam avanços
a partir do surgimento do
primeiro Código Eleitoral,
em 1932, com a consequente
criação do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), que hoje é
uma instituição sólida e respeitada
internacionalmente.
Antes da criação do TSE e
da elaboração da primeira legislação
eleitoral, cada Estado
tinha sua legislação própria,
como se verifica no Jornal A
União, edição de sábado, 25 de
janeiro de 1895, na publicação
de um decreto da Assembleia
Legislativa com as regras para
as eleições gerais que se realizaram
naquele ano.
PLEITOS ERAM NAS PARÓQUIAS...
José Octávio frisa que,
durante o Império, as eleições
eram paroquiais. Ou
seja: eram realizadas dentro
das paróquias pelo fato de
a Igreja Católica ser ligada
umbilicalmente ao Império.
Segundo ele, o Visconde do
Uruguai, então ministro imperial,
foi o mentor jurídico
da legislação eleitoral da
época.
Ele lembra que as eleições
no Império ocorriam em dois
níveis. No primeiro nível estavam
os votantes. E para ser
votante, o cidadão precisava
ter idade mínima de 21 anos e comprovar que tinha renda.
A prova aceita era um documento
no qual constasse
que ele era dono de determinada
quantidade de alqueires
de terras plantadas com
mandioca.
No segundo nível estavam
os eleitores.
Qual a diferença entre
votante e eleitora naquela
época? José Octávio responde:
“Após comprovarem
que tinham renda, os votantes
elegiam os eleitores,
que também precisavam
comprovar renda. E estes
elegiam os seus representantes
dentre os que se
candidatavam aos cargos
disponíveis. Tudo ocorria
dentro das igrejas. “Era um
sistema engenhoso e elitista”,
comentou José Octávio
de Arruda Melo.
BISPOS REBELDES FORAM PUNIDOS...
Indagado sobre os motivos
pelos quais as eleições eram
planejadas e realizadas dentro
das igrejas, José Octávio é
rápido na resposta: “A Igreja
era comensal do Império. Os
padres eram funcionários da
Coroa. Recebiam côngrua,
que era o salário”.
“Além do mais, qualquer lei
da Sé Romana só valia no Brasil
se fosse sancionada pelo
imperador, no caso, Dom Pedro
II. E o Império não aceitava
alteração nas decisões do
imperador em relação à Igreja”,
disse.
Segundo José Octávio, dois
bispos tentaram mudar a
posição do Império em relação
ao que vinha de Roma e acabaram punidos no ano de
1874: Dom Vital Maria Gonçalves
de Oliveira, paraibano
de Pedras de Fogo, e Dom
Macedo Costa, da Província
do Pará. Os dois passaram a
defender autonomia da Igreja
em relação ao Império, foram
presos e condenados a quatro
anos de trabalho forçado.
Dom Vital era bispo de
Olinda. Esses bispos não
estavam querendo nada demais,
a não ser o cumprimento
de uma ordem do Papa Pio
IX que queria separar a Igreja
do Estado. José Octávio lembra,
ainda, que o catolicismo
estava na Constituição do
Brasil de 1824 como a religião
oficial.
CASTRO PINTO AFASTOU A IGREJA...
Com a deposição da família
imperial em 1889 e a sua
deportação para a Europa, a
República, proclamada pelo
Deodoro da Fonseca, após um
golpe militar no dia 15 de novembro
daquele ano, acabou com o atrelamento da Igreja
ao Estado. Mas nos Estados.
Mas as relações ainda perdurariam por
muito tempo.
Na Paraíba, por exemplo, o
atrelamento da Igreja com o
Governo só acabou no ano de
1915, pode determinação do
presidente do Estado, Castro
Pinto, que era republicano histórico
e nunca aceitou essa ligação.
“Ele queria a separação
e concretizou o seu desejo”, reforçou
José Octávio.
PROFESSOR APONTA EVOLUÇÃO LENTA...
Para o professor Renato
César Carneiro, a evolução
do tempo proporcionou
lentamente ganhos à sociedade
brasileira em termos
eleitorais, diante da preocupação
da população em Bonão
eleger políticos corruptos.
Essa evolução, que continua
até hoje, segundo Renato
César Carneiro, vem se
aperfeiçoando.
Ele cita como exemplo a
Lei da Ficha Limpa, que impede
candidaturas de políticos
corruptos condenados
em duas instâncias da Justiça,
destre elas um colegiado.
A verdade, segundo ele, é
que a história registra momentos
de avanços e regressões
em relação ao processo
eleitoral no Brasil.
A Lei da Ficha Lima impede
que políticos com fichas
sujas possam se candidatar a qualquer cargo. Os avanços
e regressões, segundo
o professor Renato César
Carneiro, fazem parte da
legislação brasileira elaborada
em determinados contextos históricos. Segundo
ele, hoje a legislação é mais
rigorosa e prevê o afastamento
das funções públicas
de pessoas que possuem
manchas no passado.
DECRETO DE JANEIRO DE 1895...
No dia 26 de janeiro de 1895,
o Jornal A União, então órgão
oficial do Partido Republicano,
publicou decreto da Assembleia
Legislativa do Parahyba
do Norte (era assim que se escrevia
o nome do Estado) com
as regras para as eleições gerais
realizadas naquele ano,
para a escolha do presidente
e vice-presidente do Estado,
dos deputados e senadores federais,
deputados estaduais,
conselheiros municipais- o
equivale aos prefeitos de hoje-
e juízes de paz.
As regras apresentavam
algumas restrições que continuam
até hoje e outras
que foram modificadas para
atender interesses de determinados profissionais.
Em 1895, o comandante
da força pública estadual, os
magistrados (federais e estaduais),
autoridades policiais
e oficiais da força de segurança
ou policiais do Estado,
chefes de repartições públicas
e empregados públicos,
entre outros, eram proibidos
de se candidatar.
Hoje, não é bem assim. Funcionários
públicos, policiais,
chefes de repartições, por
exemplo, podem se candidatar,
embora tenham que se
afastar de suas funções por
determinado período.
Diz o decreto de 1895 que o
cidadão, desde o dia em que
era eleito deputado do Estado,
não podia celebrar contrato
com o Poder Executivo
Estadual ou com o Executivo
Federal, nem aceitar cargo de
diretor ou presidente de instituição
de crédito, ou obter
concessão de empresa industrial
favorecida pelo Estado,
sob pena de perda do mandato
SUPLENTE NÃO EXISTIA NO PAÍS...
Aquele decreto publicado
pelo Jornal A União não
previa a figura do suplente e
determinava que o candidato
a vice-presidente do Estado
era eleito pelo voto, diferente
do que acontece hoje.
Além do mais, o eleitor escolhia
dois vices. Como não havia
suplente, se houvesse renúncia ou morte de parlamentares,
seriam realizadas eleições
suplementares para escolher
o ocupante do cargo.
Naquela época também se
elegia a figura o juiz de paz,
uma herança do Império.
Era um leigo na função de
juiz para resolver problemas
de menor gravidade. Hoje, a
Constituiução prevê a figura
do juiz de paz, mas ela não
existe na Paraíba.
"O Tribunal de Justiça da
Paraíba nunca enviou à Assembleia
um projeto de lei
criando a função de juiz de
paz, conforme prevê a Constituição",
disse o professor
Renato César Carneiro.
PRIMEIRA EXPERIÊNCIA...
Antes do Império ser
constituído, depois que a
Nação ficou independente
de Portugal, a partir de 7
de setembro de 1822, o Brasil
teve sua primeira experiência
de eleições. Segundo
historiadores, isso se deu
em 1821. Na época, o País
tinha adquirido a condição
Reino Unido a Portugal e Algarves.
O Brasil realizou eleições
para escolher representantes
para as Cortes Gerais, Extraordinárias
e Constituintes
de Portugal, no reinado de
Dom João VI, depois que ele
regressou para Lisboa, em
1820, quando Napoleão Bonaparte não representava
mais um perigo para a família
real, que fugiu para o Rio
de Janeiro em 1808 .
A fuga em 1808 teve por
finalidade livrar a família
real portuguesa da tirania
do imperador francês Napoleão
Bonaparte, que invadiu
a Europa, mas tropeçou
diante do fraco rei de Portugal,
que o enganou deixando-
o literalmente a ver
os navios da esquadra portuguesa
fugirem para o Novo
Mundo a partir do Porto
de Belém, às margens do Rio
Tejo, em Lisboa.
Ainda segundo historiadores,
a constituição outorgada
por Dom Pedro 1º, em
1824, quase dois anos após
a proclamação da independência,
definiu as primeiras
normas do sistema eleitoral
brasileiro, ao criar a Assembleia
Geral, que o órgão
máximo do Legislativo, formado
pelo Senado e pela a
Câmara dos Deputados.
Jornal Correio da Paraíba. Domingo, 19 de junho 2016.