domingo, abril 19, 2015

Mais Médicos ameniza, mas não resolve problema da saúde na PB

O diagnóstico da saúde na Paraíba não é dos melhores, mesmo após a implantação do programa Mais Médicos, do governo federal. Muitos municípios não conseguiram melhorar a assistência médica e continuam em crise. No interior, o que se encontra são postos de saúde fechados e poucos profissionais para atender a população. Sem alternativa, os pacientes acabam buscando socorro nas cidades polos, como João Pessoa e Campina Grande. O programa Mais Médicos trouxe a Paraíba um reforço de 248 profissionais para 139 cidades, mas a situação ainda está longe do ideal, embora alguns municípios comemorem avanços.

Uma das experiências positivas com o programa do governo federal na Paraíba se encontra no município de Solânea, a 130 quilômetros de João Pessoa. Há pouco mais de um mês, a população conheceu o médico cubano Francisco Delgado Fernandez, 48 anos de idade e 20 de profissão. Na sala de espera da Unidade Básica de Saúde (UBS), no Centro de Solânea, os pacientes que vão ser atendidos pela primeira vez não escondem a ansiedade. “Ele fala outra língua. Já ouvi comentários que não dá para entender direito o que ele diz”, desabafou a dona de casa Valdirene Alves, que se queixava de dores na coluna e procurou a unidade.

Ao deixar a sala do médico, ela voltou a conversar com a reportagem. “Ele (Fernandez) é muito bom. Estou impressionada. Examina a gente sem pressa, deixa a gente falar, gostei muito”, afirmou a paciente. Em seguida emendou: “Só tive um pouco de dificuldade com o idioma, mas isso não atrapalhou a consulta. Quando eu não entendia, pedia para ele repetir mais devagar”, contou. Com o encaminhamento em mãos para exames, a dona de casa disse que a assistência médica no município melhorou depois do programa Mais Médicos.

No mesmo dia, a comerciante Maria Goreth Pereira levou o neto de 11 meses para a UBS. O menino estava com febre e diarreia há três dias. Ao término da consulta, ela fez sua avaliação. “O médico é muito bom, tem atenção com o paciente, diferente de outros. Por mim está aprovado. Hoje, graças a Deus, não falta médico aqui em Solânea, mas em outros tempos a gente tinha que ir para Guarabira para morrer”, declarou Goreth, também se mostrando satisfeita com o atendimento que recebeu.

O médico cubano chegou no início de março deste ano. Antes, quem atendia na UBS era outro profissional (brasileiro) também contratado pelo Mais Médicos, segundo informou a secretária de saúde da cidade, Vânia Santos Silva. “Até o momento as impressões que temos são positivas. O Mais Médicos melhorou a assistência em Solânea”, relatou a secretária. O médico cubano atende de segunda à quinta-feira na UBS. Na sexta ele é dispensado para estudos, conforme previsto no programa.

Ao saber da entrevista com o JORNAL DA PARAÍBA, o médico cubano fez uma exigência: só conversaria com a equipe de reportagem depois de atender todos os pacientes. “Não posso deixá-los esperando”, justificou Francisco Delgado Fernandez. Na recepção estavam mulheres e crianças que se queixavam, em sua maioria, de febre, diarreia, dores de coluna e gripe. Depois que todos saíram, a entrevista começou. Fernandez se esforça para falar Português – em alguns momentos para, pergunta se sua fala está sendo compreendida e prossegue, ou repete, se for o caso.

O estrangeiro mora em uma casa de apoio próximo à Unidade Básica de Saúde (UBS), com outros profissionais de saúde. Ele disse que acha a cidade e o povo acolhedores e que não tem do que reclamar, nem mesmo do local de trabalho, onde só dispõe do básico: uma maca, uma mesa, papéis, carimbo e um ventilador. “Não tenho necessidade de muita coisa para garantir o atendimento da população, não vejo motivo para reclamar”, declarou Fernandez, que iniciou no programa Mais Médicos atendendo no município de Santo André, no Cariri.

A saudade de casa e da família – ele tem um filho – o médico tenta driblar com longas conversas ao telefone e pelas redes sociais. No início deste ano ele teve um mês de férias e visitou a família. O médico disse que lida bem com a distância de casa. “Faz parte da minha missão como médico”, frisou Fernandez, demonstrando preocupação com a atenção básica, responsável pela prevenção de doenças mais sérias. “A gente observa muitos casos de hipertensão, diabetes, gripe, etc”, afirmou. “A atenção básica é o primeiro passo de tratamento e prevenção de todo paciente”, completou.

Em relação à enxurrada de críticas de alguns setores ao programa Mais Médicos e a presença de médicos cubanos no Brasil, Fernandez disse que respeita as opiniões contrárias e afirmou que sua preocupação está voltada ao atendimento da população e fortalecimento da atenção primária da saúde. “As críticas não devem ser vistas como algo negativo, mas devem ser bem fundamentadas”, afirmou o médico, que é especialista na atenção primária.
Em Pirpirituba, UBS está há seis meses sem médico
Em Pirpirituba, cidade com mais de 10 mil habitantes, existem dois médicos e as duas Unidades Básicas de Saúde estão fechadas. (Foto: Francisco França)
Mas nem todos os municípios contemplados com o programa Mais Médicos têm um balanço positivo como Solânea. Em Pirpirituba, a 100 quilômetros de João Pessoa, quem necessita de atendimento médico precisa, antes de mais nada, de paciência. O município conta, há mais de um ano, com um médico cubano, pelo programa Mais Médicos. Mas o profissional sozinho não consegue dar conta do recado, mas não por incompetência. Pirpirituba tem 10.300 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O ideal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é de um médico para cada mil habitantes. O Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes.

Além do cubano, Pirpirituba tem outro profissional da medicina – e duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) fechadas para desespero da população. O médico cubano atende em uma das unidades de saúde no Centro de Pirpirituba, mas no dia que a reportagem esteve na cidade, ele fazia visitas domiciliares. Na UBS Hugo Barbosa de Paiva, também no Centro, falta médico desde janeiro deste ano, conforme informou um funcionário que não quis se identificar. Segundo ele, diariamente muitas pessoas vão ao local e voltam desapontadas com a falta do profissional médico.

A dona de casa Jucinéia Nunes disse que a situação é muito delicada. “Minha mãe toma remédio controlado e eu só posso comprar o medicamento com a receita em mãos. Se não tem médico, eu não tenho como resolver isso e minha mãe fica prejudicada”, declarou. Segundo Jucinéia, que mora na área onde a UBS está fechada, sempre que precisa de atendimento tem que se deslocar até Guarabira.

A chegada do médico cubano “pelo menos trouxe um pouco de alívio para Pirpirituba”. A opinião é do aposentado Antônio José de Pontes, que já foi atendido pelo estrangeiro. “Antes da chegada dele a situação era pior, mas isso não quer dizer que estamos bem, de jeito nenhum. A assistência à saúde é muito precária”, afirmou o aposentado. Ele revelou que já teve de ir a Guarabira após dias seguidos de febre, problema que poderia ser resolvido na atenção básica.

Segundo a secretária de saúde do município, Iris Nazareth Severo, a prefeitura está realizando concurso público para contratação de médicos e que a situação deve ser contornada, sendo otimista, até o final do mês de junho, que é o tempo de realização das provas e da convocação dos aprovados.
CRM-PB destaca erros médicos cometidos pelos profissionais do Mais Médicos


Presidente do CRM-PB, João Medeiros, disse que o programa Mais Médicos não é suficiente para resolver o problema da saúde na Paraíba. (Foto: Francisco França)
Erros na prescrição de medicamentos e tratamentos não aprovados pela comunidade médica. São essas as principais denúncias que chegam ao Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) em relação aos médicos estrangeiros do Mais Médicos, segundo informou João Medeiros, presidente da entidade. Segundo ele, como os médicos não são inscritos no conselho (os diplomas não são revalidados quando eles chegam ao país), o que resta fazer é encaminhar as denúncias para o Ministério Público Federal.

Segundo Medeiros, o programa Mais Médicos não é suficiente para resolver o problema da saúde na Paraíba. “Os problemas que temos são graves e o programa não resolve. É preciso ter uma distribuição mais homogênea de médicos e isso não se resolve tão facilmente”, declarou. A Paraíba tem cerca de 7 mil médicos, sendo que 60% deles estão na região de João Pessoa e 20% na região de Campina Grande, conforme explicou o presidente do CRM.

“Acho que a forma como o programa foi instituído é questionável, teve caráter eleitoreiro. Mas não posso deixar de considerar um avanço o fato de que o programa está vinculando muitos médicos brasileiros”, destacou Medeiros. Segundo o presidente do CRM, o problema da saúde na Paraíba não se restringe à falta de médicos, mas também à precariedade nas condições de trabalho, sobretudo nas cidades do interior, o que acaba por afastar os profissionais. “O médico precisa não apenas de um bom salário, mas também de unidades bem estruturadas que reúnam as condições mínimas necessárias”, explicou Medeiros.

Segundo o presidente, muitos médicos estrangeiros que estão em municípios paraibanos servem apenas para 'consolar' pacientes, em consequência da estrutura deficitária das unidades de saúde. “Mesmo que o médico cubano seja bom, ele não consegue fazer nada sozinho. Precisa de estrutura e também de pessoal de apoio”, afirmou. Ele disse que é totalmente compreensível o fato da população aprovar o Mais Médicos. “Claro que a população aprova. Imagine uma cidade que antes não tinha médico e agora tem, mesmo que seja para consolar os pacientes”, frisou Medeiros. Por fim ele disse que os médicos cubanos estão sendo explorados no país, situação que já foi denunciada à Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Os médicos cubanos têm uma bolsa de R$ 10 mil, mas só ficam com 25% desse valor, o restante vai para Cuba”, pontuou Medeiros.

Ministério da Saúde diz que apura todas as denúncias 

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o programa Mais Médicos foi criado como resposta a um problema histórico da falta de médicos no país e consiste em uma ampla estratégia de melhoria do atendimento na rede pública, de longo, médio e curto prazos. Até 2014, 14.462 médicos foram enviados para localidades com dificuldade de contratar médicos, sendo 269 deles alocados em 114 cidades da Paraíba. Os números são diferentes dos fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde porque alguns médicos se desvincularam do programa. O balanço do Ministério da Saúde em todo o país, inclusive na Paraíba é positivo. O governo federal está trabalhando para melhorar a infraestrutura dos municípios, com o investimento de R$ 5,6 bilhões na construção, reforma e expansão de UBS. Na Paraíba estão sendo aplicados R$ 192 milhões na melhoria da atenção básica.

Sobre as queixas de possíveis erros apontadas pelo CRM-PB, o Ministério informou que, em caso de suspeito de erro de procedimento, de diagnóstico, de encaminhamento e de receituário, a coordenação do Mais Médico faz contato com o gestor municipal ou com a referência estadual do programa para apurar a veracidade do caso. Todas as denúncias são apuradas e o profissional tem assegurado o direito de resposta e ampla defesa, segundo explicou a nota do MS. Denúncias sobre condutas incorretas ou inadequadas podem ser feitas para a coordenação estadual do programa ou para a ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS), pelo número 136.

Falta dinheiro para estruturar postos de saúde

Sobre a estrutura das UBS nos municípios do interior, o presidente da Federação das Associações dos Municípios da Paraíba (Famup), Tota Guedes, disse que os gestores públicos têm dificuldade em melhorar as condições estruturais dos postos de saúde. “Infelizmente é um problema que temos de reconhecer. Os prefeitos não têm dinheiro para construir ou recuperar as unidades de saúde”, afirmou. Em relação ao Mais Médicos, Guedes disse que considera o programa muito positivo para o Estado, porque veio suprir a carência desses profissionais nos municípios.