Bem-vindos’ao SUS!
Só que
não...
Inoperância. Hospitais regionais vivem lotados e sem
condições de atendimento, porque as unidades municipais
funcionam como ‘grandes postos de saúde’ sem médicos...
Sem médicos especialistas,
hospitais atuam como ‘grandes postos de saúde’, mesmo
possuindo leitos de cirurgia e
outras especialidades registrados no Cadastro Nacional
de Estabelecimentos de Saúde (Cnes). A inoperância de
hospitais menores superlota
os hospitais regionais, que
passam a atender além de sua
capacidade e competência.
Na semana passada, o Jornal Correio trouxe uma reportagem mostrando a situação
do Samu, que tem dificuldades de chegar em algumas
áreas. Quando os pacientes
são socorridos, acabam caindo nesses hospitais. Aí, ocorre o habitual: o atendimento
demora, faltam materiais e a
fila de doentes e sequelados
só cresce.
Procura-se
um médico...
Sem ter a quem recorrer. Centro de saúde em Mato Grosso, no
Sertão, não tem médicos e, às vezes, nem sequer abre para atendimento...
Moradores
denunciam que falta
de atendimento
especializado também
é realidade em outras
cidades do Sertão.
Fernanda Figueiredo
Plena tarde de quarta-feira
e, debaixo do sol forte no município de Mato Grosso, Sertão paraibano, a reportagem
do Correio se depara com seu
Raimundo Isaías de Lima, de
74 anos, na frente do Centro
de Saúde Jacinta Dociana.
O
aposentado conta que sentiu
uma tontura, suspeitou de
pressão alta e foi à unidade.
Ao invés de atendimento,
encontrou portões fechados.
A frustração só não foi maior
porque, segundo ele, médico
é coisa rara de se encontrar
no hospital - por mais surreal
que pareça.
“Hoje achei estranho porque o horário é até as 17h,
fechou muito cedo. Mas é
assim mesmo, desde que eu
me entendo de gente que sei
disso, nessas cidades do Sertãozão é a lei do mais forte,
e é bom ter saúde de touro,
porque se precisar muito de
médico, morre ligeiro”, disse
seu Raimundo.
Segundo o aposentado, em
cidades como Lagoa, Mato
Grosso, Riacho dos Cavalos,
Jericó, Condado, São Bentinho, entre tantas outras da
região, atendimento médico
especializado praticamente
não existe.
“É assim, se um pobre, como eu, vier aqui no hospital
e estiver muito doente, eles
encaminham ou pra Catolé
do Rocha, ou pra Sousa ou
pra Pombal. Em último caso,
pra João Pessoa, mas pra lá
todo mundo sabe que quem
vai só volta em caixão”, disse
Raimundo.
Embora os moradores de
Mato Grosso chamem o Centro de Saúde Jacinta Dociana
de hospital, no Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde (Cnes) ele aparece como clínica/centro de especialidade. O fato é que, além
de uma Unidade Básica de
Saúde, este é o único estabelecimento de saúde onde
as pessoas procuram atendimento.
“Ruim com eles, pior sem”
Pelo menos têm médicos.
Hospitais Santa Isabel e Trauminha nem deveriam estar funcionando por falta de equipamentos, segundo CRM... Para dar conta de
223 municípios, são
apenas quatro fiscais
do CRM. Nessa conta
que não fecha, a
população é quem
padece...
O Conselho Regional de
Medicina (CRM-PB) reconhece a precariedade e abandono quase que generalizado
no Estado. Segundo o diretor
de Fiscalização do Conselho
Regional de Medicina (CRM)
na Paraíba, João Alberto
Braz Pessoa, as condições
precárias de atendimento
hospitalar se concentram
principalmente em cidades
do interior.
“Recentemente visitamos
o Hospital Municipal Santa Isabel e o Trauminha
de Mangabeira, os dois em
João Pessoa.
Eles nem deveriam estar funcionando
por falta de equipamentos,
mas pelo menos têm médicos para atender a população. Ruim com eles,
pior sem eles. Em regiões
mais distantes , a situação é
pior porque, muitas vezes,
a gente nem toma conhecimento do problema. Por
mais que tenha médico, geralmente eles só prestam o
primeiro atendimento. Os
casos com necessidade de
internação são repassados
para unidades maiores, que
sempre estão superlotadas
em decorrência dessa conduta”, disse o diretor.
Em Jericó.
No município
de Jericó, Sertão do Estado, pacientes reclamam da
falta de atendimento médico e de equipamentos básicos. Segundo a população, o
principal hospital da cidade,
a Maternidade Mãe Tereza, desde que foi interditado, em 2011, não apresenta condições mínimas de funcionamento, a exemplo de
profissionais capacitados ou
equipamento de urgência e
emergência.
A situação foi
determinante na morte do
aposentado Adelcio Anterino
de Oliveira, de 86 anos, que
faleceu sem atendimento médico na tarde de 24 de agosto
deste ano.
“Era uma segunda-feira,
por volta das 17h, estávamos
sentados na área da casa e
ele disse que estava com uma
dor, me pediu remédio e foi
para cama, quando voltei, ele
começou a se debater e não
acordou mais. Corremos para o hospital, quase não acho
um carro, o coloquei no banco
de trás de um Siena. Quando chegamos lá por volta de
17h15 foi mais dor de cabeça, não tinha nenhum médico, nenhuma ambulância,
só duas enfermeiras e uma
técnica, apesar de ser dia de
feira, de maior movimento
na cidade”, disse Aênio Anderson de Oliveira, 31 anos,
funcionário público do município de Jericó.
Muitos equipamentos sem ninguém para utilizá-los...
O Hospital e Maternidade
Mãe Tereza, no município de
Jericó, possui uma sala de
urgência bem equipada com
aparelhos como eletrocardiograma, desfibrilador e um
oxímetro de pulso, além de
três tubos de oxigênio e duas
ambulâncias, estando apenas uma em funcionamento.
No Cnes, a unidade aparece
referenciada como sendo hospital geral de atendimento
ambulatorial e hospitalar de
atenção básica e média com plexidade. Consta ainda que,
além desses atendimentos, a
unidade confere internação
e atendimento de urgência
através do Sistema Único de
Saúd e ( S U S ), embora todo paciente que necessite de internação ou apenas observação
seja transferido para outros
hospitais.
O coordenador do Hospital
e Maternidade Mãe Tereza,
Ramon Figueiredo, mostrou
as dependências da unidade
à equipe do Correio da Paraíba, reconhecendo que no local
existem apenas cinco enfermarias. Embora o coordenador pondere que o hospital
não recebe recursos estaduais, no Cnes consta que o
hospital geral é uma unidade
pública com natureza de organização do Ministério da
Saúde, Secretaria Estadual
de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde.
Quando a equipe de reportagem chegou ao hospital,
por volta das 16h, não havia
nenhum médico na unidade.
Inclusive, a maternidade não
realiza partos, pois, segundo
o coordenador Ramon Figueirêdo, a sala de cirurgia,
apesar de constar na descrição do Cnes dizendo ter dois
leitos, não funciona há mais
de dois anos.
=
Jornal Correio da Paraíba - Domingo, 27 de setembro 2015.