domingo, setembro 27, 2015

Hospitais regionais vivem lotados e sem condições de atendimento.

Bem-vindos’ao SUS! Só que não... 
Inoperância. Hospitais regionais vivem lotados e sem condições de atendimento, porque as unidades municipais funcionam como ‘grandes postos de saúde’ sem médicos... 

Sem médicos especialistas, hospitais atuam como ‘grandes postos de saúde’, mesmo possuindo leitos de cirurgia e outras especialidades registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes). A inoperância de hospitais menores superlota os hospitais regionais, que passam a atender além de sua capacidade e competência. Na semana passada, o Jornal Correio trouxe uma reportagem mostrando a situação do Samu, que tem dificuldades de chegar em algumas áreas. Quando os pacientes são socorridos, acabam caindo nesses hospitais. Aí, ocorre o habitual: o atendimento demora, faltam materiais e a fila de doentes e sequelados só cresce.



Procura-se um médico... 

Sem ter a quem recorrer. Centro de saúde em Mato Grosso, no Sertão, não tem médicos e, às vezes, nem sequer abre para atendimento... 

Moradores denunciam que falta de atendimento especializado também é realidade em outras cidades do Sertão. Fernanda Figueiredo Plena tarde de quarta-feira e, debaixo do sol forte no município de Mato Grosso, Sertão paraibano, a reportagem do Correio se depara com seu Raimundo Isaías de Lima, de 74 anos, na frente do Centro de Saúde Jacinta Dociana. 

O aposentado conta que sentiu uma tontura, suspeitou de pressão alta e foi à unidade. Ao invés de atendimento, encontrou portões fechados. A frustração só não foi maior porque, segundo ele, médico é coisa rara de se encontrar no hospital - por mais surreal que pareça. “Hoje achei estranho porque o horário é até as 17h, fechou muito cedo. Mas é assim mesmo, desde que eu me entendo de gente que sei disso, nessas cidades do Sertãozão é a lei do mais forte, e é bom ter saúde de touro, porque se precisar muito de médico, morre ligeiro”, disse seu Raimundo. Segundo o aposentado, em cidades como Lagoa, Mato Grosso, Riacho dos Cavalos, Jericó, Condado, São Bentinho, entre tantas outras da região, atendimento médico especializado praticamente não existe.

 “É assim, se um pobre, como eu, vier aqui no hospital e estiver muito doente, eles encaminham ou pra Catolé do Rocha, ou pra Sousa ou pra Pombal. Em último caso, pra João Pessoa, mas pra lá todo mundo sabe que quem vai só volta em caixão”, disse Raimundo. Embora os moradores de Mato Grosso chamem o Centro de Saúde Jacinta Dociana de hospital, no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) ele aparece como clínica/centro de especialidade. O fato é que, além de uma Unidade Básica de Saúde, este é o único estabelecimento de saúde onde as pessoas procuram atendimento.


“Ruim com eles, pior sem” 

Pelo menos têm médicos. 

Hospitais Santa Isabel e Trauminha nem deveriam estar funcionando por falta de equipamentos, segundo CRM... Para dar conta de 223 municípios, são apenas quatro fiscais do CRM. Nessa conta que não fecha, a população é quem padece... 

O Conselho Regional de Medicina (CRM-PB) reconhece a precariedade e abandono quase que generalizado no Estado. Segundo o diretor de Fiscalização do Conselho Regional de Medicina (CRM) na Paraíba, João Alberto Braz Pessoa, as condições precárias de atendimento hospitalar se concentram principalmente em cidades do interior. “Recentemente visitamos o Hospital Municipal Santa Isabel e o Trauminha de Mangabeira, os dois em João Pessoa. 

Eles nem deveriam estar funcionando por falta de equipamentos, mas pelo menos têm médicos para atender a população. Ruim com eles, pior sem eles. Em regiões mais distantes , a situação é pior porque, muitas vezes, a gente nem toma conhecimento do problema. Por mais que tenha médico, geralmente eles só prestam o primeiro atendimento. Os casos com necessidade de internação são repassados para unidades maiores, que sempre estão superlotadas em decorrência dessa conduta”, disse o diretor.

Em Jericó. 
No município de Jericó, Sertão do Estado, pacientes reclamam da falta de atendimento médico e de equipamentos básicos. Segundo a população, o principal hospital da cidade, a Maternidade Mãe Tereza, desde que foi interditado, em 2011, não apresenta condições mínimas de funcionamento, a exemplo de profissionais capacitados ou equipamento de urgência e emergência. 

A situação foi determinante na morte do aposentado Adelcio Anterino de Oliveira, de 86 anos, que faleceu sem atendimento médico na tarde de 24 de agosto deste ano. “Era uma segunda-feira, por volta das 17h, estávamos sentados na área da casa e ele disse que estava com uma dor, me pediu remédio e foi para cama, quando voltei, ele começou a se debater e não acordou mais. Corremos para o hospital, quase não acho um carro, o coloquei no banco de trás de um Siena. Quando chegamos lá por volta de 17h15 foi mais dor de cabeça, não tinha nenhum médico, nenhuma ambulância, só duas enfermeiras e uma técnica, apesar de ser dia de feira, de maior movimento na cidade”, disse Aênio Anderson de Oliveira, 31 anos, funcionário público do município de Jericó.

Muitos equipamentos sem ninguém para utilizá-los... 

O Hospital e Maternidade Mãe Tereza, no município de Jericó, possui uma sala de urgência bem equipada com aparelhos como eletrocardiograma, desfibrilador e um oxímetro de pulso, além de três tubos de oxigênio e duas ambulâncias, estando apenas uma em funcionamento. No Cnes, a unidade aparece referenciada como sendo hospital geral de atendimento ambulatorial e hospitalar de atenção básica e média com plexidade. Consta ainda que, além desses atendimentos, a unidade confere internação e atendimento de urgência através do Sistema Único de Saúd e ( S U S ),  embora todo paciente que necessite de internação ou apenas observação seja transferido para outros hospitais. O coordenador do Hospital e Maternidade Mãe Tereza, Ramon Figueiredo, mostrou as dependências da unidade à equipe do Correio da Paraíba, reconhecendo que no local existem apenas cinco enfermarias. Embora o coordenador pondere que o hospital não recebe recursos estaduais, no Cnes consta que o hospital geral é uma unidade pública com natureza de organização do Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde. Quando a equipe de reportagem chegou ao hospital, por volta das 16h, não havia nenhum médico na unidade. Inclusive, a maternidade não realiza partos, pois, segundo o coordenador Ramon Figueirêdo, a sala de cirurgia, apesar de constar na descrição do Cnes dizendo ter dois leitos, não funciona há mais de dois anos.
= Jornal Correio da Paraíba - Domingo, 27 de setembro 2015.