UMA CIDADE IDEAL SÓ NO PAPEL...
Calçadas niveladas, conservadas e livres de obstáculos, espaços arborizados e locais para
práticas esportivas e culturais.
Na mobilidade urbana, trans-
porte público de qualidade e
vias exclusivas para ciclistas.
Feiras e mercados públicos
limpos. Esses são alguns dos
elementos que deveriam com-
por o retrato de João Pessoa,
a partir de orientações
estabelecidas em documentos oficiais, como
o Código de Urbanismo e de Postura da cidade,
Plano Diretor e Lei Orgânica do
Município. Instrumentos cria-
dos para o desenvolvimento de
uma 'cidade ideal' que parecem
ignorados pelas autoridades
públicas e mais longe ainda do
sentimento de bem-estar da
população.
Faixas etárias distintas e
uma mesma realidade. Everton da Silva, de nove anos, e
José Pedro de Sousa, de 74,
estão entre os 791.438
habitantes de João
Pessoa, segundo a
última estimativa populacional do
Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Em Mandacaru, onde mora o garoto,
a oferta de espaços públicos
adequados como incentivo às
atividades esportivas, determinada pelo Plano Diretor da capital, está longe de existir. “Aqui,
não tem como a gente brincar.
Minha mãe mesmo escorregou
aqui outro dia”, disse o menino,
enquanto apontava para as pedras soltas e o mato que cobre a
praça João Cândido.
No Castelo Branco, onde
mora o aposentado José Pedro
há 20 anos, a praça Tenente
Lucena também está abandonada e ele ainda lembra que o
mercado público do bairro precisa de manutenção e limpeza.
“Logo quando fizeram essa praça, há uns 10 anos, as crianças
vinham brincar e era uma área
boa para o lazer. Agora, está as-
sim, cheia de mato, o pessoal da
prefeitura limpa uma vez perdi-
da”, reclamou.
Cadeirante há 49 anos,
o aposentado também reclama que precisa sempre
da ajuda de outras pessoas
para utilizar as calçadas. “É
muito difícil você andar pela
calçada uma rua inteira”, lamentou. Realidade bem distante do que determina o Código de Urbanismo da cidade,
que proíbe, por exemplo, a
construção de degraus em
calçadas e estabelece como de
responsabilidade do proprietário do imóvel a conservação
das estruturas.
CIDADE PRECISA VALORIZAR OS ESPAÇOS PÚBLICOS...
A praça que falta para o
pequeno Everton da Silva, em
Mandacaru, e para o aposenta-
do José Pedro, no Castelo Branco, é um exemplo das lacunas
existentes no planejamento
urbano de João Pessoa, uma cidade pensada para lotes e para
carros, segundo o presidente
do Conselho de Arquitetura e
Urbanismo da Paraíba (CAU/
PB), Cristiano Rolim.
Na opinião do arquiteto, o
Código de Urbanismo e os de-
mais instrumentos feitos para
que a cidade se desenvolvesse
com planejamento estão mais
focados nas propriedades particulares do que na valorização
e uso dos espaços de uso comunitário.
“Houve um desmonte do
planejamento urbano no Brasil
e as cidades cresceram muito.
Em João Pessoa não foi diferente. Todo o Código de Urbanismo está voltado para legislar sobre o lote, a propriedade
particular, e a gente perdeu o
controle dos espaços públicos.
Temos as áreas de ocupação
irregular, como leitos de rios,
encostas, áreas verdes da cidade, e uma pressão do mercado
imobiliário muito forte para
dar resposta a essa necessidade de habitação da população.
E aí o espaço público acabou
relegado”, explicou.
Diante do crescimento urbano desordenado e sem planejamento, as intervenções
feitas na infraestrutura da
cidade, como alargamentos
de vias, construções de via-
dutos e dragagem de rios são
medidas paliativas, segundo
Cristiano Rolim. Para ele, falta à capital projetos que integrem espaços urbanos e áreas
ambientais que promovam o
lazer e o bem-estar dos moradores.
“A gente ainda não tem
para João Pessoa um planejamento total integrado dessas áreas verdes associadas
a questões de mobilidade, de
transporte público. Acho que
está na hora de parar um pouco para repensar que modelo
de cidade é esse que se quer
construir e se a gente quer
perpetuar essa maneira de
ocupação da cidade, em que
primeiro se estabelece uma
vocação imobiliária de uma
região e depois corre-se atrás
para dotar aquela área de infraestrutura, como aconteceu
com o Altiplano”, criticou o
presidente do CAU/PB
MOBILIDADE URBANA AINDA É UM DESAFIO...
No início da manhã, sobre-
tudo nos dias úteis da semana,
dezenas de pessoas enfrentam
uma verdadeira maratona para
entrar nos ônibus que chegam
ao Terminal de Integração de
João Pessoa, no Varadouro. De-
pendendo da linha do coletivo,
é difícil conseguir um assento e
o jeito é ir “no aperto”. Em outros pontos da cidade, quem
utiliza veículos particulares sofre com os engarrafamentos em
horários de pico, como acontece nas avenidas Epitácio Pessoa
e Sérgio Guerra (Bancários).
Na capital, obras em andamento, como o viaduto no bairro do Cristo e o alargamento da
avenida Cruz das Armas, indicam alternativas para o trânsito. Porém, a melhoria é para
quem se desloca com veículos
automotores. Mas e o investimento no transporte público,
com “segurança e conforto”,
como prega o Código de Postura da cidade?
A mobilidade urbana de
uma ‘cidade ideal’ parece distante de João Pessoa. Uma cidade feita para os automóveis,
conforme critica o arquiteto e
presidente do CAU/PB, Cristiano Rolim. “Até mesmo caminhar ficou mais difícil nessa
cidade. A gente não tem uma
legislação que determine a qualidade das calçadas, que pense
na possibilidade da bicicleta
como um meio de transporte
efetivo e não tivemos um pro-
grama voltado para o trans-
porte público. A gente vê uma
cidade com ruas feitas para o
transporte de automóvel e esse
modelo está saturado”, afirmou.
O QUE DIZ A PREFEITURA
O assessor jurídico da Secretaria de Planejamento da capital (Seplan), Marcelo Sant'Ana,
informou que o Plano de Mobilidade Urbana da capital está
em licitação e adiantou que
“é um estudo extremamente
complexo, que está sendo feito
para garantir a inteligência no
planejamento urbano”. Ele revelou ainda que nos próximos
meses está prevista a entrega
do viaduto da Avenida Geraldo
Mariz, em Tambauzinho, e início das obras do alargamento
da Beira Rio.
Quanto a intervenções para
a padronização dos passeios
públicos, Marcelo Sant'Ana
informou que, além da calçadinha da orla, devem ser padronizadas calçadas na região
do Centro Histórico, seguindo
o critério da preservação dos
bens tombados.
Já sobre o transporte público, a assessoria de comunicação da Superintendência de
Mobilidade Urbana da capital
(Semob) informou em nota
que, nos próximos meses, serão entregues 70 novos ônibus
e estão previstas novas modificações nos itinerários de algumas linhas
da
cidade. Contudo, não foram in-
formados o período exato para
a entrega dos novos veículos
bem como as linhas que serão
alteradas.
A assessoria da Semob disse
ainda que “está em andamento
processo para substituição de
vários abrigos na capital, inclusive com a ampliação de abri-
gos em áreas que não tinham
anteriormente” e que houve
ampliação da faixa exclusiva
para ônibus na Avenida Epitácio Pessoa.
CAPITAL REQUER CIDADÃO CONSCIENTE...
O que está na legislação e nos documentos que
orientam as ações de infra-
estrutura e planejamento do
município não é só responsabilidade do gestor da cidade,
mas também de cada mora-
dor. Adotar hábitos simples,
como não jogar lixo nas vias
públicas, não estacionar em
calçadas ou fazer ocupações
irregulares estão entre as recomendações existentes nos
Códigos de Postura e de Urbanismo da capital.
No entanto, a nossa realidade é bem diferente e basta
poucas horas de chuva para
o 'lixo inocente', que foi jo-
gado pela janela do carro ou
do ônibus, aparecer na primeira oportunidade. Para se
ter uma ideia da dimensão
do problema, em 2014 a Autarquia Especial Municipal
de Limpeza Urbana (Emlur)
recolheu 220,8 mil toneladas
de lixo, material descartado
irregularmente em terrenos,
leito de rio, encostas, canteiros e canais em diversos
pontos da cidade.
Apesar da competência
para zelar pela higiene ser
do Poder Executivo Municipal, o descarte irregular
na cidade gerou a média de
155 toneladas por mês de
resíduos. Isso em 2014, e em
se tratando de lixo recolhido
pela Emlur.
Outra situação provocada
pela falta de compreensão de
parte da população da cidade se refere às interferências
nos passeios públicos, seja
pelo estacionamento irregular ou falta de manutenção
das calçadas, que em terreno
privado são de responsabilidade do proprietário.