domingo, setembro 06, 2015

João Pessoa: cidade perfeita para se viver, mas só no papel.

UMA CIDADE IDEAL SÓ NO PAPEL... 
Calçadas niveladas, conservadas e livres de obstáculos, espaços arborizados e locais para práticas esportivas e culturais. Na mobilidade urbana, trans- porte público de qualidade e vias exclusivas para ciclistas. Feiras e mercados públicos limpos. Esses são alguns dos elementos que deveriam com- por o retrato de João Pessoa, a partir de orientações estabelecidas em documentos oficiais, como o Código de Urbanismo e de Postura da cidade, Plano Diretor e Lei Orgânica do Município. Instrumentos cria- dos para o desenvolvimento de uma 'cidade ideal' que parecem ignorados pelas autoridades públicas e mais longe ainda do sentimento de bem-estar da população. Faixas etárias distintas e uma mesma realidade. Everton da Silva, de nove anos, e José Pedro de Sousa, de 74, estão entre os 791.438 habitantes de João Pessoa, segundo a última estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Mandacaru, onde mora o garoto, a oferta de espaços públicos adequados como incentivo às atividades esportivas, determinada pelo Plano Diretor da capital, está longe de existir. “Aqui, não tem como a gente brincar. Minha mãe mesmo escorregou aqui outro dia”, disse o menino, enquanto apontava para as pedras soltas e o mato que cobre a praça João Cândido. No Castelo Branco, onde mora o aposentado José Pedro há 20 anos, a praça Tenente Lucena também está abandonada e ele ainda lembra que o mercado público do bairro precisa de manutenção e limpeza. “Logo quando fizeram essa praça, há uns 10 anos, as crianças vinham brincar e era uma área boa para o lazer. Agora, está as- sim, cheia de mato, o pessoal da prefeitura limpa uma vez perdi- da”, reclamou. Cadeirante há 49 anos, o aposentado também reclama que precisa sempre da ajuda de outras pessoas para utilizar as calçadas. “É muito difícil você andar pela calçada uma rua inteira”, lamentou. Realidade bem distante do que determina o Código de Urbanismo da cidade, que proíbe, por exemplo, a construção de degraus em calçadas e estabelece como de responsabilidade do proprietário do imóvel a conservação das estruturas.

CIDADE PRECISA VALORIZAR OS ESPAÇOS PÚBLICOS... 
A praça que falta para o pequeno Everton da Silva, em Mandacaru, e para o aposenta- do José Pedro, no Castelo Branco, é um exemplo das lacunas existentes no planejamento urbano de João Pessoa, uma cidade pensada para lotes e para carros, segundo o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba (CAU/ PB), Cristiano Rolim. Na opinião do arquiteto, o Código de Urbanismo e os de- mais instrumentos feitos para que a cidade se desenvolvesse com planejamento estão mais focados nas propriedades particulares do que na valorização e uso dos espaços de uso comunitário. “Houve um desmonte do planejamento urbano no Brasil e as cidades cresceram muito. Em João Pessoa não foi diferente. Todo o Código de Urbanismo está voltado para legislar sobre o lote, a propriedade particular, e a gente perdeu o controle dos espaços públicos. Temos as áreas de ocupação irregular, como leitos de rios, encostas, áreas verdes da cidade, e uma pressão do mercado imobiliário muito forte para dar resposta a essa necessidade de habitação da população. E aí o espaço público acabou relegado”, explicou. Diante do crescimento urbano desordenado e sem planejamento, as intervenções feitas na infraestrutura da cidade, como alargamentos de vias, construções de via- dutos e dragagem de rios são medidas paliativas, segundo Cristiano Rolim. Para ele, falta à capital projetos que integrem espaços urbanos e áreas ambientais que promovam o lazer e o bem-estar dos moradores. “A gente ainda não tem para João Pessoa um planejamento total integrado dessas áreas verdes associadas a questões de mobilidade, de transporte público. Acho que está na hora de parar um pouco para repensar que modelo de cidade é esse que se quer construir e se a gente quer perpetuar essa maneira de ocupação da cidade, em que primeiro se estabelece uma vocação imobiliária de uma região e depois corre-se atrás para dotar aquela área de infraestrutura, como aconteceu com o Altiplano”, criticou o presidente do CAU/PB

MOBILIDADE URBANA AINDA É UM DESAFIO... 
No início da manhã, sobre- tudo nos dias úteis da semana, dezenas de pessoas enfrentam uma verdadeira maratona para entrar nos ônibus que chegam ao Terminal de Integração de João Pessoa, no Varadouro. De- pendendo da linha do coletivo, é difícil conseguir um assento e o jeito é ir “no aperto”. Em outros pontos da cidade, quem utiliza veículos particulares sofre com os engarrafamentos em horários de pico, como acontece nas avenidas Epitácio Pessoa e Sérgio Guerra (Bancários). Na capital, obras em andamento, como o viaduto no bairro do Cristo e o alargamento da avenida Cruz das Armas, indicam alternativas para o trânsito. Porém, a melhoria é para quem se desloca com veículos automotores. Mas e o investimento no transporte público, com “segurança e conforto”, como prega o Código de Postura da cidade? A mobilidade urbana de uma ‘cidade ideal’ parece distante de João Pessoa. Uma cidade feita para os automóveis, conforme critica o arquiteto e presidente do CAU/PB, Cristiano Rolim. “Até mesmo caminhar ficou mais difícil nessa cidade. A gente não tem uma legislação que determine a qualidade das calçadas, que pense na possibilidade da bicicleta como um meio de transporte efetivo e não tivemos um pro- grama voltado para o trans- porte público. A gente vê uma cidade com ruas feitas para o transporte de automóvel e esse modelo está saturado”, afirmou. O QUE DIZ A PREFEITURA O assessor jurídico da Secretaria de Planejamento da capital (Seplan), Marcelo Sant'Ana, informou que o Plano de Mobilidade Urbana da capital está em licitação e adiantou que “é um estudo extremamente complexo, que está sendo feito para garantir a inteligência no planejamento urbano”. Ele revelou ainda que nos próximos meses está prevista a entrega do viaduto da Avenida Geraldo Mariz, em Tambauzinho, e início das obras do alargamento da Beira Rio. Quanto a intervenções para a padronização dos passeios públicos, Marcelo Sant'Ana informou que, além da calçadinha da orla, devem ser padronizadas calçadas na região do Centro Histórico, seguindo o critério da preservação dos bens tombados. Já sobre o transporte público, a assessoria de comunicação da Superintendência de Mobilidade Urbana da capital (Semob) informou em nota que, nos próximos meses, serão entregues 70 novos ônibus e estão previstas novas modificações nos itinerários de algumas linhas da cidade. Contudo, não foram in- formados o período exato para a entrega dos novos veículos bem como as linhas que serão alteradas. A assessoria da Semob disse ainda que “está em andamento processo para substituição de vários abrigos na capital, inclusive com a ampliação de abri- gos em áreas que não tinham anteriormente” e que houve ampliação da faixa exclusiva para ônibus na Avenida Epitácio Pessoa.

CAPITAL REQUER CIDADÃO CONSCIENTE... 
O que está na legislação e nos documentos que orientam as ações de infra- estrutura e planejamento do município não é só responsabilidade do gestor da cidade, mas também de cada mora- dor. Adotar hábitos simples, como não jogar lixo nas vias públicas, não estacionar em calçadas ou fazer ocupações irregulares estão entre as recomendações existentes nos Códigos de Postura e de Urbanismo da capital. No entanto, a nossa realidade é bem diferente e basta poucas horas de chuva para o 'lixo inocente', que foi jo- gado pela janela do carro ou do ônibus, aparecer na primeira oportunidade. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, em 2014 a Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur) recolheu 220,8 mil toneladas de lixo, material descartado irregularmente em terrenos, leito de rio, encostas, canteiros e canais em diversos pontos da cidade. Apesar da competência para zelar pela higiene ser do Poder Executivo Municipal, o descarte irregular na cidade gerou a média de 155 toneladas por mês de resíduos. Isso em 2014, e em se tratando de lixo recolhido pela Emlur. Outra situação provocada pela falta de compreensão de parte da população da cidade se refere às interferências nos passeios públicos, seja pelo estacionamento irregular ou falta de manutenção das calçadas, que em terreno privado são de responsabilidade do proprietário.