*Valéria Sinésio: Porta trancada à chave na Vara de Entorpecentes no 4º andar do Fórum
Criminal, em João Pessoa,
representa bem mais que
privacidade. É uma tentativa de proteger a integridade
da juíza auxiliar Maria Aparecida Sarmento Gadelha,
que tem o poder de decidir
o destino de traficantes de
drogas que atuam em João
Pessoa. Embora não tenha
sofrido nenhuma ameaça direta, a juíza sabe que
pode ser alvo de organizações criminosas, por isso
prefere redobrar a segurança em qualquer lugar que
esteja. A mesma preocupação atinge outros magistrados da Paraíba, onde há 16
juízes ameaçados de morte.
Maria Aparecida faz
parte da Comissão Permanente de Segurança do Tribunal de Justiça da Paraíba
(TJ-PB) e acompanha de
perto o drama dos colegas.
Todos os casos correm em
sigilo para garantir a segurança dos ameaçados. Na
lista estão juízes – sendo
homens, em sua maioria –
que atuam na capital e em
comarcas do interior da
Paraíba.
Em muitos casos, as
ameaças são veladas. Contudo, não há um padrão
determinado para isso.
Pode vir por uma ligação
anônima ou um e-mail com
destinatário desconhecido.
Sem segurança, o juiz, na
porta de casa ou na entra-
da do fórum, pode se tornar
um alvo vulnerável. A intenção de calar um magistrado
é fazê-lo recuar diante das
investigações em determinados processos.
Segundo Maria Apareci-
da, as ameaças partem de
organizações criminosas.
“Ultimamente estamos lidando com o crime mais
organizado, pessoas que
visam evitar a aplicação da
lei. Isso, na verdade, é uma
afronta não só ao juiz, mas
ao próprio Estado Democrático de Direito. Essas
pessoas não querem ser
responsabilizadas pelos
crimes que cometeram”,
declarou. “Em sua maioria,
desejam amedrontar o juiz
que tem uma postura mais
ativa, ou fazer mal mesmo”,
pontuou a juíza.
Apesar das investidas,
não conseguem amedrontar. “São juízes bem vocacionados, sabem que na
hora que assumem a jurisdição correm esse risco.
São colegas corajosos que
diante de uma ameaça pro-
curam o Tribunal de Justiça,
que por sua vez tem dado
apoio necessário, levando
em conta as particularidades de cada caso, para que o
magistrado possa dar continuidade ao trabalho que
se dispõe a fazer”, frisou
Maria Aparecida. Segundo
ela, o TJ age de acordo com
a situação, sendo a transferência de comarca uma das
medidas recorrentes.
As ameaças são mais
frequentes aos juízes estaduais, os quais lidam com
a maior parte dos crimes,
incluindo violência contra
a mulher, homicídios, tráfico de drogas, lavagem de
dinheiro, etc. Quando julgam, o fazem com base na
lei, mas para os criminosos,
os juízes causam prejuízo.
Silenciar um juiz, para essas
organizações, é uma forma
de garantir a impunidade.
Mesmo sem ameaça,
juíza paga segurança...
À frente do Juizado da
Violência Doméstica está
a juíza Rita de Cássia Martins Andrade. Ela disse que
nunca sofreu ameaças, nem
mesmo de forma indireta.
Contudo, paga segurança
particular para acompanhá-la em todo lugar que
for.
“Já tive questões de
grande enfrentamento,
mas nunca passei por uma
situação de ameaça”, declarou Rita de Cássia Martins.
Mesmo assim, não esquece
dois episódios que considera marcantes.
Um dos casos foi de um
homem que conseguiu tirar
a arma da cintura de um segurança do fórum e tentou
matar o atual companheiro
da ex-mulher. A situação é
uma prova da fragilidade
estrutural dos fóruns e Varas da Paraíba.
Mais recentemente, outro homem invadiu a sala
de audiência, armado, nervoso, falando palavras desconexas, o que assustou a
juíza e os demais presentes
no local.
“Foi uma situação delicada, mas conseguimos
contornar. Não sei o que
aconteceria se eu estivesse
sozinha naquela sala”, afirmou Rita de Cássia Martins.
A juíza disse que, via de
regra, não há como se sentir
segura no exercício da pro-
fissão. “Sempre é possível
que alguém consiga driblar
a segurança dos fóruns, e
isso nos deixa vulneráveis
a qualquer tipo de ação. Por
isso, adotamos algumas medidas de prevenção, como
não deixar ninguém entrar
com arma e sempre pedir a
identificação dos visitantes”,
explicou.
A Polícia Militar informou, através da assessoria
de imprensa, que por questões de segurança não pode
passar dados relativos à
quantidade de policiais militares que trabalham nos
fóruns.
Quanto ao treinamento,
a Polícia Militar, através da
assessoria de imprensa, esclareceu que, na formação,
os policiais militares recebem treinamento nas mais
diversas áreas, inclusive no
tocante à segurança de edificações e de autoridades.
Fóruns da PB têm condições precárias...
O atentado sofrido
pela juíza Tatiana Moreira
Lima, no Fórum Butantã,
em São Paulo, no final de
março, deixou em alerta
os magistrados de todo o
país. Na Paraíba não foi
diferente. Dias antes desse
fato, na sala de audiência
da Vara de Entorpecentes,
na capital, a juíza auxiliar
Maria Aparecida Sarmento
Gadelha determinou que
um dos réus permanecesse
algemado, por entender que
a retirada poderia ameaçar
a segurança dos presentes.
A distância entre a cadeira
da juíza e o local onde o réu
senta não chega a um metro.
Aparecida contou que
sua decisão, que tem embasamento legal, não agradou o advogado do réu, que
tentou argumentar a favor
de seu cliente sem sucesso.
Após o ocorrido com a juíza
de São Paulo, em conversa
com Aparecida, o advogado
percebeu que a magistrada
estava correta na decisão
que havia tomado. Dos 202
casos de juízes ameaçados
no país, 83% são da Justiça
Comum.
O desembargador Carlos
Beltrão, também integrante
da Comissão Permanente
de Segurança, disse que em
todos os casos é feito o trabalho de acompanhamento
para garantir a integridade
física e emocional dos juízes ameaçados na Paraíba.
Segundo ele, a situação é
tratada de forma sigilosa.
A comissão foi criada há
quatro anos com o intuito
de dar assistência aos magistrados que enfrentam
situações de risco. “Além
da assistência, também fazemos a investigação. Não
podemos falar muito exata-
mente por ser uma questão
sigilosa”, frisou.
O desembargador afirmou que as condições dos
fóruns da Paraíba, sobre-
tudo no interior, são precárias, sem “as mínimas
condições de segurança”.
Para melhorar essa realidade, Beltrão disse que o
TJ vem trabalhando para
implementar dois projetos,
que são 'Acesso Seguro' e
'Segurança de Comarcas de
Fronteiras'. “São projetos
em fase embrionária tentando avançar. São estratégias para dar mais segurança a todos os servidores dos
fóruns, não só os juízes”,
declarou
Jornal da Paraíba, domingo 10 de abril 2016... último dia de circulação do Jornal da Paraíba
Jornal da Paraíba, domingo 10 de abril 2016... último dia de circulação do Jornal da Paraíba