sábado, abril 09, 2016

Na Paraíba: Juízes na mira de criminosos.

*Valéria Sinésio: Porta trancada à chave na Vara de Entorpecentes no 4º andar do Fórum Criminal, em João Pessoa, representa bem mais que privacidade. É uma tentativa de proteger a integridade da juíza auxiliar Maria Aparecida Sarmento Gadelha, que tem o poder de decidir o destino de traficantes de drogas que atuam em João Pessoa. Embora não tenha sofrido nenhuma ameaça direta, a juíza sabe que pode ser alvo de organizações criminosas, por isso prefere redobrar a segurança em qualquer lugar que esteja. A mesma preocupação atinge outros magistrados da Paraíba, onde há 16 juízes ameaçados de morte. 

Maria Aparecida faz parte da Comissão Permanente de Segurança do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) e acompanha de perto o drama dos colegas. Todos os casos correm em sigilo para garantir a segurança dos ameaçados. Na lista estão juízes – sendo homens, em sua maioria – que atuam na capital e em comarcas do interior da Paraíba. 

Em muitos casos, as ameaças são veladas. Contudo, não há um padrão determinado para isso. Pode vir por uma ligação anônima ou um e-mail com destinatário desconhecido. Sem segurança, o juiz, na porta de casa ou na entra- da do fórum, pode se tornar um alvo vulnerável. A intenção de calar um magistrado é fazê-lo recuar diante das investigações em determinados processos. 

Segundo Maria Apareci- da, as ameaças partem de organizações criminosas. “Ultimamente estamos lidando com o crime mais organizado, pessoas que visam evitar a aplicação da lei. Isso, na verdade, é uma afronta não só ao juiz, mas ao próprio Estado Democrático de Direito. Essas pessoas não querem ser responsabilizadas pelos crimes que cometeram”, declarou. “Em sua maioria, desejam amedrontar o juiz que tem uma postura mais ativa, ou fazer mal mesmo”, pontuou a juíza. 

Apesar das investidas, não conseguem amedrontar. “São juízes bem vocacionados, sabem que na hora que assumem a jurisdição correm esse risco. São colegas corajosos que diante de uma ameaça pro- curam o Tribunal de Justiça, que por sua vez tem dado apoio necessário, levando em conta as particularidades de cada caso, para que o magistrado possa dar continuidade ao trabalho que se dispõe a fazer”, frisou Maria Aparecida. Segundo ela, o TJ age de acordo com a situação, sendo a transferência de comarca uma das medidas recorrentes. 

As ameaças são mais frequentes aos juízes estaduais, os quais lidam com a maior parte dos crimes, incluindo violência contra a mulher, homicídios, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, etc. Quando julgam, o fazem com base na lei, mas para os criminosos, os juízes causam prejuízo. Silenciar um juiz, para essas organizações, é uma forma de garantir a impunidade.

Mesmo sem ameaça, juíza paga segurança... 
À frente do Juizado da Violência Doméstica está a juíza Rita de Cássia Martins Andrade. Ela disse que nunca sofreu ameaças, nem mesmo de forma indireta. Contudo, paga segurança particular para acompanhá-la em todo lugar que for. “Já tive questões de grande enfrentamento, mas nunca passei por uma situação de ameaça”, declarou Rita de Cássia Martins. Mesmo assim, não esquece dois episódios que considera marcantes. Um dos casos foi de um homem que conseguiu tirar a arma da cintura de um segurança do fórum e tentou matar o atual companheiro da ex-mulher. A situação é uma prova da fragilidade estrutural dos fóruns e Varas da Paraíba. Mais recentemente, outro homem invadiu a sala de audiência, armado, nervoso, falando palavras desconexas, o que assustou a juíza e os demais presentes no local. “Foi uma situação delicada, mas conseguimos contornar. Não sei o que aconteceria se eu estivesse sozinha naquela sala”, afirmou Rita de Cássia Martins. A juíza disse que, via de regra, não há como se sentir segura no exercício da pro- fissão. “Sempre é possível que alguém consiga driblar a segurança dos fóruns, e isso nos deixa vulneráveis a qualquer tipo de ação. Por isso, adotamos algumas medidas de prevenção, como não deixar ninguém entrar com arma e sempre pedir a identificação dos visitantes”, explicou. A Polícia Militar informou, através da assessoria de imprensa, que por questões de segurança não pode passar dados relativos à quantidade de policiais militares que trabalham nos fóruns. Quanto ao treinamento, a Polícia Militar, através da assessoria de imprensa, esclareceu que, na formação, os policiais militares recebem treinamento nas mais diversas áreas, inclusive no tocante à segurança de edificações e de autoridades.

Fóruns da PB têm condições precárias... 
O atentado sofrido pela juíza Tatiana Moreira Lima, no Fórum Butantã, em São Paulo, no final de março, deixou em alerta os magistrados de todo o país. Na Paraíba não foi diferente. Dias antes desse fato, na sala de audiência da Vara de Entorpecentes, na capital, a juíza auxiliar Maria Aparecida Sarmento Gadelha determinou que um dos réus permanecesse algemado, por entender que a retirada poderia ameaçar a segurança dos presentes. A distância entre a cadeira da juíza e o local onde o réu senta não chega a um metro. Aparecida contou que sua decisão, que tem embasamento legal, não agradou o advogado do réu, que tentou argumentar a favor de seu cliente sem sucesso. Após o ocorrido com a juíza de São Paulo, em conversa com Aparecida, o advogado percebeu que a magistrada estava correta na decisão que havia tomado. Dos 202 casos de juízes ameaçados no país, 83% são da Justiça Comum. O desembargador Carlos Beltrão, também integrante da Comissão Permanente de Segurança, disse que em todos os casos é feito o trabalho de acompanhamento para garantir a integridade física e emocional dos juízes ameaçados na Paraíba. Segundo ele, a situação é tratada de forma sigilosa. A comissão foi criada há quatro anos com o intuito de dar assistência aos magistrados que enfrentam situações de risco. “Além da assistência, também fazemos a investigação. Não podemos falar muito exata- mente por ser uma questão sigilosa”, frisou. O desembargador afirmou que as condições dos fóruns da Paraíba, sobre- tudo no interior, são precárias, sem “as mínimas condições de segurança”. Para melhorar essa realidade, Beltrão disse que o TJ vem trabalhando para implementar dois projetos, que são 'Acesso Seguro' e 'Segurança de Comarcas de Fronteiras'. “São projetos em fase embrionária tentando avançar. São estratégias para dar mais segurança a todos os servidores dos fóruns, não só os juízes”, declarou

Jornal da Paraíba, domingo 10 de abril 2016... último dia de circulação do Jornal da Paraíba