domingo, agosto 20, 2017

Jornal Correio da Paraíba – Matéria de Capa deste domingo.

Em João Pessoa: GANGS DIZEM QUEM ENTRA E QUEM SAI... A constante guerra entre ‘Okaida’ e ‘EUA’ está impedindo cidadãos de um bairro entrarem em outro. Como no caso do adolescente Alberto e outros três colegas seus que estão concluindo o ensino fundamental e, por não existir escola secundária em sua comunidade, estão sendo impedidos de estudar. A facção rival não toleraria sua presença no outro bairro.

BARRADOS PELO CRIME:
Jovens de comunidades de João Pessoa estão impedidos de frequentar escolas localizadas em bairros da cidade onde há a atuação das facções ‘Okaida’ e ‘Estados Unidos’. O fato de adolescentes simplesmente morarem nestas localidades está tirando deles o direito de mobilidade e também à educação. Alberto (nome fictício) e pelo menos outros três jovens de uma escola municipal localizada no Bairro dos Novaes estão terminando o Ensino Fundamental, mas a violência e a atuação de gangues nos locais onde moram estão impedindo que eles continuem os estudos.

A atuação de integrantes de facções nos arredores e dentro das escolas já é de conhecimento do Ministério Público Estadual (MPPB), que apura os casos. Sem nenhum envolvimento com grupos criminosos e apenas a vontade de continuar os estudos, Alberto revela que já se antecipou e procurou escolas estaduais, localizadas no Alto do Mateus, Jardim Planalto, Bairro das Indústrias e Cruz das Armas. As escolas desses bairros também são alvo de apuração do MPPB, por meio da Promotoria da Infância Infracional. No caso do estudante, o medo de sofrer perseguições e até mesmo violência física, somente pelo fato de morar em uma comunidade dominada por uma facção rival das que dominam esses bairros, torna o acesso à educação cada vez mais distante.

“A gente que mora aqui na comunidade não pode ir para Cruz das Armas, Jardim Planalto e até em outra comunidade aqui do bairro porque são de facções diferentes. Até um morador daqui se passar em uma rua desses outros bairros podem sofrer alguma coisa. A pessoa não é envolvida com nada. Mas, só porque a pessoa mora em uma comunidade diferente é perigoso”, relatou Alberto.

PROJETO DE RESGATE:
O Ministério Público da Paraíba (MPPB), por meio das Promotorias de Educação e Infância Infracional da Capital, apura a atuação de adolescentes envolvidos com facções criminosas, sobretudo para a venda de drogas no entorno das unidades educacionais e também dentro das escolas.

A promotora da Infância Infracional da Capital, IveteArruda, relata que a maior parte dos jovens que chegam à Promotoria, em decorrência de algum ato infracional, ou estava fora da escola ou frequentando esporadicamente. “Inclusive, têm muitos que fazem a matrícula, mas não vão à escola por medo. Os adolescentes envolvidos com a criminalidade estão atuando, inclusive, nas escolas particulares”, revelou a promotora.

Na tentativa de identificar as escolas afetadas pelos grupos criminosos, a promotora informou que está elaborando um projeto, em parceria com a Polícia Militar, para resgatar os estudantes envolvidos e prevenir o ingresso de outros jovens na criminalidade. “Por conta desses problemas, os professores e funcionários das escolas também ficam em uma situação difícil e não têm como defender os alunos que estão lá para estudar. Já tivemos casos até de professores ameaçados”, lamentou Ivete Arruda.

Já responsável pela 2ª Promotoria da Educação da capital, Ana Raquel de Brito, reafirmou que recebeu denúncias da atuação de gangues nos arredores da escola e informou que vai apurar a denúncia feita pela reportagem. “Quando somos informados sobre episódios violentos ou insegurança dentro das escolas, realizamos audiências e inspeções in loco para verificar e discutir o assunto e a rede de proteção às crianças e adolescentes”, disse.

SITUAÇÃO ESTÁ VIRANDO COMUM
“Esse nosso aluno representa uma legião de crianças e jovens que estão passando por esse tipo de situação nas escolas públicas da cidade. Infelizmente, alguns terminam se envolvendo com essas facções e deixam a escola ou só freqüentam para vender drogas”. A afirmação é do diretor adjunto da escola onde Alberto estuda, Conrado Ferreira.

Em mais de 30 anos de profissão, ele vê com tristeza o impacto que a violência urbana tem causado na educação. “Há uns dez anos, você não tinha uma situação tão séria como a que temos agora. Esse aluno quer estudar. Mas, o que sobra para ele?”, comentou o diretor.

O caminho trilhado por muitos jovens que, diferente de Alberto, não vêem outra alternativa a não ser entrar na criminalidade. A realidade está nas estatísticas, como o último Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Conforme os dados, 54% das vítimas de homicídio na Paraíba, em 2015, tinham entre 15 e 29 anos.

‘CAOS SOCIAL’, AFIRMA PROFESSOR
A violência que assombra os estudantes que temem não poder frequentar as escolas amedronta também professores, fere o direito de ir e vir e o direito à educação. A situação é de caos social, conforme defende o doutor em psicologia social e professor da FPB, Nilton Formiga.

“Temos o cidadão buscando, querendo e desejando frequentar a escola, mas, condições psicossociais da violência (gangs, condutas desviantes, uso de drogas, etc.) têm o poder de inibir esse direito”, explicou o professor Nilton Formiga.

Ele considera ainda a conduta do Estado contraditória, no sentido de instigar e propagar nas crianças e adolescentes o valor da educação, mas não garantir o acesso a esse direito por falhas na segurança pública.
“Honestamente, o Estado quer ou não quer que essa meninada estude, seja culta?! Ou se entregue ou não as ‘gangs’?! Ou se vai à escola para ser culto ou para comprar drogas; ou vai à escola para saber trabalhar as frustrações pessoais e limites ou vai aprender a ‘soltar tapas e murros’. Isto é muito frustrante para família e professores”, lamentou o professor.

Direito previsto em estatuto
A educação é direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e, perante a legislação, a oferta do Ensino Médio é de responsabilidade do governo estadual. Para os municípios, é determinada a garantia de escolas e vagas na educação infantil e Ensino Fundamental. No caso da rede municipal, o aluno deve ter acesso a unidade de ensino mais próxima de sua casa, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Ainda com relação ao Ensino Médio, uma das estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE) é garantir a oferta de vagas nos turnos diurnos e noturnos. “Como o PNE fala em acesso e permanência e busca ativa, poderia se construir uma interpretação nessa linha. Mas, é verdade que não é taxativo. Há uma lei que contém a previsão, que cobre também a faixa do ensino médio: o ECA, já que o adolescente, em seus termos, é a pessoa de 12 a 18 anos”, lembrou o advogado e assessor da Câmara dos Deputados, Paulo Sena.

O gerente do Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação (SEE), Robson Rubenilson, informou que quando um estudante identifica dificuldade quanto sua matrícula deve comunicar a SEE, que procede a identificação de vaga para matrícula na escola mais próxima de sua residência. Quanto a questão da violência, ele alertou que os estudantes devem comunicar os casos ao Ministério Público e também a Secretaria, por meio da Ouvidoria.

MAIS DELEGACIAS USAM MALOTE DIGITAL DO TJ
Convênio entre o Tribunal de Justiça da Paraíba, Corregedoria Geral de Justiça e Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Seds) tem permitido, desde junho, o uso do Malote Digital para as comunicações oficiais entre a Central de Flagrantes de João Pessoa (situada na Central de Polícia Civil) e o Judiciário paraibano. Desde então, 228 Autos de Prisão em Flagrante (APF) já foram remetidos por meio da ferramenta eletrônica disponibilizada pelo TJPB.

Devido as suas vantagens, por reduzir tempo e custos financeiros com o transporte de documentos relativos às prisões, o sistema de Malote Digital será estendido às delegacias das comarcas pertencentes à 1ª Superintendência Regional da Polícia Civil. Até o final deste mês, haverá treinamento de pessoal que usará a ferramenta, com a implantação do sistema até o dia 30 de setembro, informou a delegada Roberta Neiva, titular da 2ª Delegacia Seccional de João Pessoa.

O uso do Malote Digital pela Central de Flagrantes teve início, de forma piloto, no dia 26 de junho. Os autos de prisão em flagrante passaram a ser enviados eletronicamente para o Núcleo de Custódia ou ao Plantão Judiciário, para a realização das audiências de custódia pela Justiça, que determina, ou não, a legalidade e necessidade da prisão.

De acordo com a delegada Roberta Neiva, a experiência com o malote tem sido vantajosa. “É espetacular. Uma ferramenta de fácil manuseio, que traz segurança para todas as informações, além de economia de papel, servidor, viatura e tempo de deslocamento. É a tecnologia em favor do serviço público”, afirmou.
Roberta Neiva explicou que, antes, os autos eram enviados em papel, o que ocasionava necessidade de escanear os documentos, quando eles aportavam no Judiciário. Além disso, era necessário o deslocamento do servidor em uma viatura para transporte dos mesmos.

PB realiza 4,2 mil audiências de custódia em 2 anos
O Projeto ‘Audiência de Custódia’ completou dois anos de sua implantação na Paraíba. Estabelecida pela Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a audiência consiste na apresentação de toda pessoa presa em flagrante à autoridade judicial no prazo de 24 horas, sem prejuízo do prosseguimento do processo.

Nesses dois anos, foram realizadas 4.214 audiências na Paraíba, sendo 2.145 prisões mantidas e concedida a liberdade em 2.069 casos. “Esses números desmistificam questão levantada por algumas pessoas de que a custódia só faz soltar presos. Não é verdade, visto que o objetivo é fazer justiça de acordo com o que determina a lei. Acima do juiz existe a lei”, afirma Higyna Josita Simões de Almeida, primeira juíza a realizar audiência de custódia no Estado e que continua à frente dos trabalhos na Comarca de João Pessoa.

A magistrada explicou que, durante a audiência, o juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação de sua continuidade ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. Jornal Correio da Paraíba / domingo, 20 de agosto 2017.