Casos são uma amostragem e referem-se a inquéritos concluídos,
envolvendo menores de até 14 anos, em 10 municípios paraibanos...
Em uma casa pobre, na
zona rural de um município
no Agreste paraibano, Marina
(*fictício) morava com os pais,
três irmãs e o cunhado. Sem
muitos brinquedos e espaço
de lazer, a distração da menina
era ficar no roçado brincando
com os animais do sítio, até
que em 2014, com 10 anos, ela
foi abusada sexualmente pelo
cunhando, de 28 anos. Sob
ameaças, a menina sofria calada e os abusos continuaram
até março do ano passado,
quando então com 11 anos, ela
foi estuprada por outros três
homens, um deles o padrinho.
Os quatro acusados chegaram
a ser presos, mas aguardam o
julgamento em liberdade. O
caso de Marina está entre as
139 vítimas, com idade de 0 até
14 anos, que foram estupradas
em 10 municípios da Paraíba,
em 2015.
Os dados referem-se aos inquéritos concluídos a respeito
do crime de estupro de vulnerável, quando a vítima tem até
14 anos, e foram levantados
pela reportagem nas Delega-
cias da Mulher de oito cidades
e nas delegacias de Repressão
aos Crimes contra a Infância e
Juventude de João Pessoa e de
Campina Grande. Conforme as
informações repassadas pelas
delegadas, a maior parte das
vítimas é do sexo feminino e
tem entre 9 e 13 anos. Contudo, também há casos de estupro em crianças menores de 5
anos.
“Esse tipo de crime acontece mais dentro da própria família da criança. Quando não é
o padastro, é um vizinho e até
mesmo o pai. Geralmente, são
pessoas próximas à convivência da criança e sem qualquer
suspeita”, explicou a delegada
da Delegacia de Repressão
aos Crimes contra a Infância
e Juventude da capital, Graça
Morais.
Outra situação comum nesse tipo de crime é a demora nas
denúncias, o que pode livrar o
suspeito do flagrante. Segundo
a delegada, geralmente, a situação de ameaça sofrida pelas
vítimas contribui para que os
casos só cheguem ao conhecimento da polícia anos depois.
Foi o que aconteceu com Mari-
na e também com Sofia (*Fictício). A garota era abusada pelo
pai desde os 9 anos e no último
mês de janeiro, quando ele ten-
tou consumar o ato sexual com
a menina, hoje com 13 anos, ela
conseguiu fugir e contar aos familiares o que acontecia.
“Os pais eram separados e
ela passava os finais de semana
na casa do pai e vivia essa situ-
ação desde os nove anos. Como
ela não tinha uma formação
psicológica resolvida para
ver que aquilo era errado, ela
não contava a ninguém. Mas,
conforme ela foi ficando adolescente, e percebeu que era
uma vítima, ela contou para a
família no dia que ele tentou a
penetração”, disse a delegada.
O caso de Sofia soma-se a
outros três inquéritos que investigam estupro de vulnerável
em crianças e adolescentes que
foram registrados este ano na
capital.
-
Criança que é violentada muda o comportamento,,,
“A menina contou que começou a tirar notas baixas,
ficava sempre triste e, de repente, começou a andar com
uma faca dentro da bolsa para
cortar os pulsos, porque ela
não podia expor aquele sofrimento que estava passando”. A
fala da delegada de Repressão
aos Crimes contra a Infância
e Juventude da capital, Graça
Morais, refere-se ao depoimento de uma adolescente de
13 anos, que era abusada pelo
padrasto desde os 8 e revelou o
caso à família em janeiro deste
ano.
As marcas ferem o corpo
e também a alma, deixando
sequelas emocionais difíceis
de serem curadas, esquecidas.
Insônia, distúrbios alimentares, insegurança e isolamento
social estão entre os sinais de
uma criança ou adolescente
que sofre violência sexual.
“Quanto menor for a criança, mais ela vai fazendo parte
daquilo e, pela ingenuidade natural que é própria dela, nem
se dá conta que está sofrendo
uma violência. Muitas vezes
a criança é ameaçada psicologicamente e essa violência
maltrata muito e não deixa a
criança em paz. Então, essa
criança ou adolescente dá sinais corporais, emocionais,
comportamentais, durante
brincadeiras, desenhos. Por
isso, o que a gente sempre alerta, sobretudo aos familiares, é
a atenção a essas mudanças”,
explica a psicopedagoga e professora da FPB Janaína Correia.
Para amenizar o sofrimento psíquico são necessários
anos de terapia para a vítima e
familiares, que também necessitam de auxílio para lidar com
a situação e ajudar a criança.
Conforme relatado pelas de-
legadas entrevistadas, conselheiros tutelares e vítimas, na
maioria dos casos os aponta-
dos pelos abusos são pessoas
próximas da convivência da
vítima, como pai, padrasto, vizinho ou conhecido da família.
No ano passado, o Disque
123, canal da Secretaria Estadual de Direitos Humanos
(SEDH) recebeu 35 denúncias
sobre casos relacionados à
violência sexual em crianças e
adolescentes na Paraíba, sendo
29 informes sobre abuso e seis
sobre exploração sexual. Para
a gerente de Proteção Social
Especial da pasta, Gabrielle
Andrade, esses dados seriam
apenas uma estimativa desse
problema, que afeta um número maior de vítimas.
“A gente sabe que uma violência desse tipo é mais vela-
da, camuflada. Então, quando
recebemos essas denúncias
isso indica apenas a ‘ponta do
iceberg’, porque os números
reais são bem maiores. O importante é que todas as denúncias recebidas pelo Disque 123
são apuradas e os casos encaminhados aos demais órgãos
que formam a rede de prote-
ção”, acrescentou a gerente.
Gabrielle Andrade lembrou
que as crianças e adolescentes
vítimas de violência sexual
são encaminhadas para atendimentos nos Centros de Referência em Assistência Social
(Creas). O mesmo atendimento
também é oferecido aos familiares das vítimas, com apoio
psicológico, jurídico e médico.
“Temos 26 Creas regionais que
atendem a 120 municípios e
outros 78 Creas municipais.
Além das delegacias e conselhos tutelares, muitas vezes
essas denúncias de abuso e
estupro chegam diretamente aos Creas e temos equipes
preparadas para acolher essas
crianças e seus familiares, até
porque muitas vezes essas pessoas são ameaçadas”, disse. Jornal da Paraíba