quinta-feira, maio 17, 2018

Campina Grande / Cidade dominada pela Okaida.


“Eu sei que Campina Grande é dominada por uma facção denominada ‘Okaida’, que faz resistência ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Só que o PCC não consegue se instalar aqui e a gente não sabe por quê. Eles tentam, mas não conseguem. O Jeremias é dominado pela Okaida e o Araxá é um resistência a Okaida”, diz em conversa informal uma importante figura da segurança pública de Campina Grande, que preferiu não se identificar. Este é o cenário em que Campina Grande está inserida. A segunda mais importante cidade do Estado não está livre da mancha que se espalhou pelo País na última década, a proliferação das facções criminosas. Diferente da Capital, onde existe uma guerra entre diferentes grupos, em Campina Grande apenas a Okaida opera com força em bairros periféricos. As consequências dessa atuação são sentidas pelos moradores dos vizinhos bairros de Jeremias e Araxá que vivem um estreito relacionamento. 

 No Jeremias, a quebra de um “código de conduta” fez uma rádio comunitária ser fechada e uma família que vivia há mais de 50 anos no bairro ser expulsa. “A gente tinha uma rádio comunitária, a Rádio Shallon. O Reginaldo foi expulso da comunidade pelos bandidos. São pessoas de facções. Disseram que ele tinha chamado a polícia para o bairro, e eles fecharam a rádio. Ele foi realmente intimidado a sair da comunidade. Deram dois dias para ele sair com a família. Ele morava na mesma casa, na Rua Francisco Borges da Costa, há 50 anos”, conta de forma anônima um morador do bairro. “Eu tenho seis filhos pra criar. Se eu aparecer nessa matéria, eles me expulsam também”, justifica a fonte, pedindo o sigilo do nome. Ela explica que foi por “falar demais” que o filho de Reginaldo acabou colocando toda a família na mira de traficantes da Okaida. “O filho dele morava por trás da caixa d’água, em um loteamento. Um dia desses, alguém jogou algo lá escondendo da polícia. Eles viram que a polícia chegou lá depois. E depois, o filho dele falou demais, dizendo que tinha contato com uns delegados. Os caras foram armados na rádio e deram dois dias pra ele sair. Ele colocou as coisas num caminhão e foi embora, e está escondido em outro bairro. Os bandidos mandarem em um bairro é imoral”, diz. 

Bandidos têm a chave da quadra da escola.
Sete letras indicam o poder dos traficantes no bairro. É com “OKD Jere” que o grupo assina em alguns prédios. As assinaturas estão na feirinha do bairro, na cozinha comunitária e no posto de saúde Jeremias 2. Mas mesmo onde não há o “autógrafo” da Okaida, há o terror da presença dela. A Escola Municipal Fernando Cunha Lima, por exemplo, não está pichada, mas segundo a comunidade, os bandidos têm a chave da quadra de esportes do colégio. “Eles tomaram posse da Escola Fernando Cunha Lima. Eles têm a chave da quadra de esportes. Só usa a quadra, quem eles deixam. Boa parte é gente lá de cima. A grande maloca é lá em cima, num lugar podre. As crianças usam na hora da aula, junto com o professor. Mas para fazer algum outro evento fora do horário da escola, só quem eles deixam. Os bandidos mandam em tudo aqui”, explica. Fogos indicam droga. A “parte de cima” do Jeremias é a mais complicada. A principal escola que serve à comunidade nos três turnos fica na divisa do bairro e atende Jeremias e Araxá. Os moradores não são de muita conversa. E nem podem ser. Qualquer relacionamento entre pessoas desses dois bairros pode colocar em risco uma paz disfarçada. “Quem é de lá de cima não desce. Na parte da feirinha não tem muito disso, mas lá em cima, onde tem a escadaria, é que tem isso. Na parte da “laje”, como eles chamam, onde tem até festa com armas. Tem uma escola que fica na divisa entre Jeremias e Araxá, quem é do Araxá não anda muito por lá. Se alguém ver, não dá certo. (fogos) Está ouvindo esse barulho de fogos? Chegou drogas no bairro. É assim que eles se avisam”, conta. 

Comandos estão nos presídios.
Campina Grande só passou a contar com uma delegacia específica de combate ao tráfico de drogas a partir de 2016 com a chegada da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Para o delegado titular Ramirez São Pedro, os bairros do Araxá, Jeremias e Continental refletem uma disputa por território, mas segundo ele, todas as “lideranças” estão presas. “Em 2016, junto com o início da operacionalização da delegacia realizamos a Operação Dragão, com um grande volume de prisões, apreensões e indiciados. Solicitamos à Justiça, acesso a escutas telefônicas para tentar entender quem eram as lideranças. Constatamos que todos estão presos e continuam comandando mesmo de dentro dos presídios. Eles atuam não só com o tráfico de drogas, como em ações de estouro a banco e crimes patrimoniais”, explicou o delegado. O número de prisões parece não frear o crime organizado. Para o doutor em Ciência Política e coordena dor do Núcleo de Estudos da Violência (Nevu) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), José Maria Nóbrega, prisões não resolvem o problema. Em todo o Brasil já foram contabilizadas 83 diferentes denominações de organizações criminosas. “As politicas de confronto nas periferias já contribui com esses grupos. O crescimento exacerbado das prisões no país por tráfico de drogas, que é o grande carro chefe, não parece ter muito controle nisso. Correlacionamos as prisões com a faixa de homicídios e prender por tráfico não impacta na queda de homicídios. A prisão dos grandes traficantes ainda se justifica, mas prender por porte, às vezes por consumo, é o grande problema. O sistema prisional brasileiro não faz seu dever de casa. Indivíduos detidos têm seus direitos violados”, analisa Nóbrega. Jornal Correio